Depois do sabão em pó e de enfrentar a fila gigantesca
do queijo prato e do presunto, além da manteiga com sal que acabou hoje de
manhã depois do pão na chapa do reizinho da casa, sem falar na cervejinha do
aprendiz de alcoólatra, seguia tranquilamente para o caixa menos cheio. Passo
em frentes aos ovos brancos, em promoção, e penso em levar levar uma dúzia, os
ovos também haviam acabado e era uma boa sugerir ao reizinho algo como ovos
mexidos ou uma omelete gourmetizada. Vacilei alguns segundos e deixei os ovos
para trás. Encarei a fila, paguei no débito e fui para casa na esperança de ser
bem recebido, afinal, queijo e presunto é combinação quase perfeita, ao
contrário do que pensam aqueles outros judeus que abominam o porquinho e, pior
ainda, acreditam ser pecado a mistura de carne e leite. Como diz o filósofo,
gosto não se discute, se lamenta.
Abro a porta, carregado com a sacola de compras e a
areia dos gatos, que também havia acabado e era urgentíssimo repor sob pena de
pisarmos, inadvertidamente, em merda felina propositadamente depositada pelos
gatos de casa, os verdadeiros donos do pedaço, que sabem que nós, meros
hóspedes temporários e servos permanentes, necessariamente frequentamos. Então,
o reizinho humano da casa, ao ver-me entrar em casa, pergunta, insolitamente:
- Trouxe ovo?
Ele nunca, nunca, nunca me pede ovo. Deixo as sacolas
na cozinha, dou um muxoxo, aquela caída de ombro básica, e volto pro mercado. Sem
fila, o processo é rápido. A caixa dá boa tarde novamente com aquela
displicência que a obrigação profissional exige. Fica surpresa quando olha pra
frente e me vê novamente. Talvez ache que eu a esteja flertando. Pago e volto
pra casa. A cerveja já está fresca, abro uma latinha pra relaxar e vou preparar
o desejado pão com ovo, na verdade, dois ovos mexidos no capricho. O rapazola
come vorazmente, pede outro sanduíche, desta vez com a pasta de tomate que a
avó paterna preparou, sorvido em poucos segundos. Veio a banana, finalmente.
Eu sou um cara muito racional, materialista, “pão,
pão, queijo, queijo”, não acredito nesse negócio de instinto, acredito piamente
que os seres humanos são moldados desde sempre pela cultura. Seres humanos são
humanos porque produzem e são produto da cultura. Instinto é coisa dos gatos lá
de casa, que costumam exercitá-lo no sofá e nas cadeiras, que o digam os
respectivos tecidos já devidamente desfiados. Mas o episódio do ovo me fez admitir
que “yo no creo en brujas, pero que las
hay, las hay”...
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