Dores físicas são, em geral, mais fáceis de lidar que
dores psicológicas. É claro que dores físicas crônicas podem tornar nossa vida
um suplício, não subestimo o estrago que uma inflação possa causar no quadril
ou na garganta, logo eu que tenho uma maldita faringite de repetição que me dá
vontade de fazer, comigo mesmo, aquilo que aqueles malucos do ISIS fizeram com
suas vítimas. Lembro do Nelson Rodrigues falando de sua úlcera tratada a pires
de leite, no meio da madrugada. Mas insisto que, via de regra, extirpar a dor
física é, na maioria das vezes, nos casos corriqueiros, mais simples do que
curar traumas psicológicos ou tristezas mal compreendidas. Pegou uma virose?
Febre? Toma um analgésico, um antitérmico e vida que segue.
Miguel, nos seus oito anos de vida bem vivida, já
contabiliza no corpo algumas marcas indeléveis de sua passagem, neste mundo, como
o “menino maluquinho”. Na verdade, e concordando com o Ziraldo, o pai do “verdadeiro”
menino maluquinho, ele não é maluquinho coisíssima nenhuma, ele é simplesmente feliz.
O ônus da felicidade, de brincar de futebol, de subir em árvore, de correr de
pique-pega, de surfar no skate, às vezes, vem em forma de cicatrizes. As marcas
de guerra estão por toda parte, perto do olho, na nuca, no braço, na testa, um
verdadeiro Frankenstein. Mas, em todas estas peripécias, Miguel aguentou firme
e forte, apertou minha mão enquanto a médica de plantão passava a linha do
ponto, gritava desesperadamente ANTES da agulha entrar sem se dar conta que,
enquanto gritava, o procedimento já havia terminado. Um verdadeiro herói.
Dor psicológica são outros quinhentos. Ontem, voltando
para casa, um senhor de cadeira de rodas entrou no vagão do metrô, empurrado
por um ajudante. O senhor de cadeira de rodas tinha, claramente, deficiência
motora e neurológica. Carregava na mão um copo de plástico com moedas. O senhor
que lhe empurrava começou a discursar alguma coisa que não compreendi direito,
falava em direção oposta à nossa. Quando me viro para o Miguel, ele está
olhando pela janela do vagão, aos prantos. Dou-lhe um forte abraço, e o abraço
continua, ele não me solta. Não é a primeira vez que meu filho demonstra uma
profunda sensibilidade com a dor alheia. Eu tento, de alguma forma, ver algum
lado positivo nesta situação de merda, digo que, pelo menos, o senhor na
cadeira de rodas não está sozinho, abandonado, alguém está ao seu lado. Vou lá
e deposito uma nota de dois reais no copo. Grande coisa, penso comigo mesmo.
Chegamos à nossa estação, Miguel já está mais calmo, a mãe liga de Curitiba e
os dois conversam animadamente, estão com saudades.
Nesta dor psicológica, não há Alivium que dê jeito .
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