Outro dia, voltando de não sei onde, eu e Miguel tomamos o metrô em plena hora do rush. Ele
não é muito fã do metrô porque, geralmente, vai em pé. Tento argumentar, em vão,
que o metrô é o meio de transporte mais rápido e mais eficiente que temos à
disposição, apesar de caríssimo para padrões suecos, o que dirá tupiniquins. Para
piorar a situação, naquela hora em especial, um dos vagões é exclusivo das
mulheres, o que, inevitavelmente, transforma a viagem numa interessante
experiência de “como vivem as sardinhas”. Ao ver-se livre do empurra-empurra,
já na estação do Flamengo, Miguel vira-se para mim é desabafa:
- Isso não é justo.
- O quê não é justo, meu filho?
- O vagão cor de rosa de mulher.
- E por que não é justo?
- Porque aí sobra menos espaço onde a gente fica.
Então eu explico ao Miguel o porquê da existência do
tal vagão rosa, mais estereotípico impossível, não é mesmo? Explico que os
políticos do Rio de Janeiro aprovaram uma lei que tinha por objetivo proteger
as mulheres do assédio dos homens no metrô. É claro que eu tive de explicar ao
Miguel o que é o assédio, coisa que, aparentemente, ela já sabia, porque ele
disse “sim, eu sei, os homens ficam se esbarrando de propósito nas mulheres”. Disse
a ele que sou contra essa coisa do vagão cor de rosa, que segregar as mulheres
dos homens em nome de sua proteção não resolve problema algum, que o que
resolve o problema é a denúncia e a punição de quem assedia a mulher, que a
segurança do metrô tem de ser acionada seja pela mulher ou por testemunhas quando
acontecer o assédio. Que, bom mesmo, é tudo junto e misturado.
Miguel fica em silêncio alguns segundos e pergunta:
- Mas, papai, e os gays e as lésbicas que fizerem isso
(o assédio) no vagão cor de rosa?
Com uma singela pergunta, o moleque desnuda o machismo
atávico da sociedade brasileira e a tal da heteronormatividade. Claro, porque o
vagão das mulheres foi a solução encontrada para a proteção do “sexo frágil”
dos predadores, que mal podem conter seus pintos dentro das calças, fora a
provocação das meninas que ficam andando com saias na altura do joelho e blusas
coladinhas que realçam o colo dos seios, aí não tem homem que aguente, falem a
verdade, é provocação, quem pariu Mateus que o embale, cada um planta o que
colhe. Mas ninguém imaginou que mulheres poderiam defender-se, empoderar-se
(argh), botar a boca no trombone em caso de assédio nos vagões unissex. Ou que
homens pudessem solidarizar-se com o drama alheio e denunciar o tarado doente.
Ou que é dever do Estado ou da concessionário de serviços fornecer segurança
aos seus cidadãos/clientes. Ou que gays e lésbicas pudessem ser os algozes do
assédio.
Miguel diferenciou sexo biológico e identidade sexual, esta última característica de seres culturais como os humanos, coisa que os idiotas da objetividade teimam em desqualificar sob a expressão estigmatizante "ideologia de gênero".
Orgulhoso da capacidade reflexiva do meu filho, pergunto a mim mesmo, humildemente, se o saber antropológico é genético...
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