Paciência, hoje mais do que nunca, é artigo raro.
Vivemos a época do instantâneo, do aqui e agora, do efêmero. Dizia-se, não faz
muito tempo, que “o jornal de hoje embrulha o peixe (da feira) de amanhã”, ou
seja, em vinte e quatro horas as notícias mudavam e o mundo já era outro.
Agora, conforme o slogan de uma rádio, “em vinte minutos, tudo pode mudar”. É a
“miojificação” da vida.
Eu já beirava os vinte anos quando, ao tirar o fone do
gancho (celular ainda era para poucos), fui surpreendido com o imediato sinal
de discagem, o famoso “tom” (tone, em inglês). E, mais surpreendido ainda
fiquei quando, após teclar os oito dígitos, ouvi imediatamente o sinal de
chamada. Chegávamos à civilização. Muito diferente da rotina de suplício, dos
intermináveis minutos pendurados ao lado do aparelho telefônico, esperando o
sinal de discagem na era medieval analógica, sem falar das linhas cruzadas e
dos não tão incomuns enganos, “desculpe, foi engano”. Mas tenho a impressão de
que éramos felizes e não sabíamos.
Dia desses, estávamos em casa assistindo a uma de
nossas séries favoritas no Netflix quando, de repente, o sinal do wi-fi caiu.
Já acostumados com este tipo de fenômeno pós-moderno, fomos verificar o
aparelhinho mágico que pisca umas luzes, e que os experts chamam de “modem”, e
observamos que uma delas estava apagada. Procedemos ao ritual indicado pela
empresa que fornece os serviços de telefonia e Internet, o famoso “desconecte o
cabo, espere dez segundos, reconecte o cabo”, e nada da luzinha voltar a
acender. Fui obrigado, muito a contragosto porque sabia que voltaria à agoniante
espera do outro lado da linha típica da era mesozoica da telefonia analógica, a
entrar em contato com a assistência técnica.
Foram necessárias três ligações. Na primeira, eu
expliquei a situação e o atendente, solícito, depois de realizar uns testes, me
redirecionou para uma espécie de “serviço especializado” responsável por casos
de alto complexidade, praticamente em estado terminal. Sem conseguir resolver a
pendenga, o especialista ofereceu-me um serviço adicional, a um custo de cerca
de trinta reais mensais, que faria retornar o sinal e reinar a tranquilidade lá
em casa, o qual neguei taxativamente uma vez que a qualidade do básico já não é
lá grande coisa. Senti-me extorquido e, negando a educação que recebi, bati o
telefone na cara do pobre coitado que precisa ouvir poucas e boas da clientela
bovina. Na segunda ligação, iniciei o diálogo espinafrando a empresa e,
estranhamente, o atendente emudeceu, embora eu continuasse a ouvir os demais
atendentes tagarelando a lenga-lenga dos procedimentos-padrão. Na terceira
ligação, finalmente, e novamente um atendente solícito e paciente, o problema
foi resolvido. Lá se iam uns quarenta e cinco minutos a menos da minha vida.
Vejam bem. Quando o wi-fi “cai”, não é apenas a Netflix
que sai do ar. São também os joguinhos do tablet que o Miguel adora e a
Internet do notebook. É como se a desconexão nos deixasse órfãos, como se perdêssemos
nossas referências no mundo, acometidos de uma angústia incontrolável por
dependermos de uma voz do outro lado da linha com o poder de vida ou morte, com
o poder de nos reconectar ou não à vida digital. Quando o Clash Royale sai do
ar, Miguel, já condicionado, se levanta do sofá e vai ver se as luzinhas estão
acesas. Às vezes, o sinal volta em questão de segundos, mas o Miguel já quer
reiniciar o pobre do aparelhinho mágico. Instantaneidade e impaciência. E eu
não fico atrás, também corro para reiniciar a geringonça.
Preciso de uma desintoxicação tecnológica. Vou ler um
livro.
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