Iraque de Janeiro


No táxi que nos levava de volta para casa, na fria noite curitibana, inacreditáveis treze graus em pleno fevereiro, o sotaque denunciou que éramos imigrantes. O taxista, muito simpático, como parecem ser praticamente todos os taxistas da cidade, pergunta se estamos de visita. Respondemos que não, que estamos de mudança para a cidade, na verdade, dois terços da família já se havia instalado, o terço faltante na angustiante expectativa de completar, finalmente, o quebra-cabeça familiar. O taxista diz, então, que costuma “pegar” muitos passageiros do Rio de Janeiro, que dias antes havia conhecido um casal da cidade de Volta Redonda que trabalhava no ramo de seguros e que os seguros estavam cada vez mais caros por causa da violência endêmica que assola não só a cidade do Rio de Janeiro, como também a região metropolitana e demais cidades espalhadas pelo estado.

Nosso motorista, então, tenta relativizar este “mau humor” do carioca, que o carioca costuma ver apenas o lado negativo, que a cidade é linda (bom, a cidade não tem, realmente, culpa pela barbárie). Respondo que sim, que está cada vez mais difícil morar no Rio de Janeiro e dei, como exemplo, a diferença de preços nos seguros para carro dependendo do endereço que o dono do veículo fornece à companhia seguradora. Se o segurado mora em “área de risco”, o seguro, obviamente, é mais salgado. Diferentemente da cidade de Belém, onde o custo do seguro para veículos aumenta por conta do risco de mangas gigantescas caírem do alto das mangueiras que inundam a capital paraense, destruindo a lataria e os vidros (ouvi esta estória da boca de um nativo, não comprovei a veracidade), o risco na capital fluminense se deve aos mais do que rotineiros, enfadonhos roubos e tiroteios. Nosso amigo curitibano aparenta perplexidade.

Sigo desfiando o meu rosário mau humorado, e informo-lhe candidamente que os correios já não entregam correspondência e encomendas em muitas áreas da cidade consideradas, tal qual no caso das companhias de seguro automotivo, “áreas de risco”. Os carteiros correm o risco de ter sua carga roubada, sem falar na possibilidade, nada desprezível, de perder a vida.

O taxista exclama:

- Misericórdia! Mas aqui não é o Iraque!

Anteontem, a Folha de São Paulo publicou uma matéria tratando exatamente do surrealismo envolvendo os Correios. De acordo com a base de dados da própria empresa, em 44% dos endereços da cidade do Rio de Janeiro há algum tipo de restrição na entrega. Em mais da metade destes 44%, a entrega só ocorre com o uso de aparato especial de segurança, como escolta armada, ampliando, inevitavelmente, o prazo para recebimento de produtos. Na metade restante, a distribuição não ocorre de forma nenhuma – os clientes precisam buscar a encomenda em uma unidade dos Correios. Há alguns bairros da zona norte carioca com veto total de entregas para 100% de seus endereços.

Injustiça com o Iraque, meu amigo taxista.



Comentários

Sandra Pinto disse…
Muito preocupante a situação da nossa cidade.