Ele liga para a operadora de telefonia, já angustiado e
com a pressão arterial nas alturas na perspectiva de infindáveis minutos com a
nem sempre simpática “colaboradora”, com o nem sempre simpático “colaborador”, ambos
geralmente a um passo do suicídio por terem curso superior e não conseguirem um
emprego que lhes valorize o intelecto, obrigados a ouvir poucas e boas de
consumidores frustrados com o péssimo serviço prestado. Após digitar o número
do telefone para o qual queria atendimento e a opção desejada, dentre as quinze
disponíveis, todas elas elencadas por uma gravação irritante, ele ouve uma voz
humana do outro lado:
- Bom dia, falo com a senhora X?
- Não, fala com o senhor Y.
- O número para o qual o senhor quer atendimento é o
1234-5678?
- Sim.
- Confirme, por gentileza, o nome completo do titular
da conta.
- XYZ.
- Confirme, por gentileza, os três primeiros dígitos
do CPF do titular da conta.
- ABC.
- Ok, obrigado pela confirmação. Em quê posso ajuda-lo,
senhor X?
- Bom, é o seguinte. Estava ouvindo a minha rádio
favorita, como sempre faço todos os dias a caminho do trabalho, quando, de
repente, a música parou. Achei que fosse um problema de sinal, visto que, como
todos nós sabemos, embora você não possa admitir porque esta ligação está sendo
gravada e se você concordar comigo o seu futuro será o olho da rua, o sinal
fornecido por sua empregadora, e por qualquer outra operadora de telefonia, é
uma bela de uma porcaria. Passados vários minutos, nada de minha Shakira de
volta e, para piorar, verifiquei que as mensagens do WhatsApp simplesmente não
haviam sido enviadas aos respectivos destinatários. Foi quando percebi que aquela
letrinha, que aparece junta ao símbolo que representa a recepção do sinal, havia
desaparecido. Aí sim fiquei cabreiro, tive certeza de que o buraco do problema
era bem mais embaixo. Tentei fazer uma ligação, sem sucesso, porque o meu
aparelho não reconheceu a rede do chip – aquele cartãozinho que é uma espécie
de identidade, que contém o próprio número do telefone e é inserido atrás do
aparelho. Neste momento resolvi, muito a contragosto, ligar para vocês porque vocês,
teoricamente, têm o poder de me devolver à vida online digital.
- Senhor, confirme, por favor, o número do telefone
celular para o qual deseja atendimento, com o DDD.
- 12 3456 7890.
- Aguarde um momento enquanto o sistema verifica as
informações.
(longa espera, péssima ligação telefônica, casa de
ferreiro, espeto de pau, barulho de fundo ensurdecedor, conversas paralelas
entre os “colaboradores” e “colaboradoras”)
- Senhor, obrigado por aguardar e desculpe-me a demora.
No meu sistema consta que o chip do senhor foi desativado por falta de recarga.
- Mas isso é simplesmente impossível. Este chip foi
adquirido há menos de uma semana e faz parte de um plano desses que vocês chamam
de “combo”. Ou seja, ele não precisa de recarga coisíssima nenhuma porque o
plano contratado é pós-pago, o chip só serve mesmo para fazer funcionar o
aparelho telefônico, para “dar linha”. E, por conta disso, eu não posso me
comunicar com a minha esposa e meu filho, que estão morando em outra cidade. Peço
a gentileza de reativar o chip imediatamente.
- Senhor, eu não posso reativar o chip porque este
procedimento é realizado por outro setor. E eu nem sei se a reativação será
possível porque...
- E você pode me encaminhar para este setor?
- Sim, um momento.
A segunda “colaboradora” repete ad nauseam o script da
primeira “colaboradora”, solicitando, novamente, todos os dados já informados
no início da ligação. Explica o pobre diabo, enfadonhamente, a mesma estória e pede
que o problema seja resolvido, visto que o erro foi da operadora de telefonia e
que ele não pode ficar incomunicável. A resposta recebida o tirou do sério:
- Senhor, enquanto o problema não é solucionado, há
outras formas de comunicação, o Facebook...
- Então você acha que minha esposa, que trabalha de
verdade, tem tempo para ficar no Facebook no horário de expediente? Esta
sugestão é séria mesmo ou você está curtindo uma com a minha cara?
- Senhor, a solicitação de reativação só pode ser
feita pelo titular da conta.
- Mas eu não consigo me comunicar com a titular da
conta, isso pode demorar muito tempo, e eu, como bom marido, sei todos os dados
dos quais vocês necessitam de cor e salteado. Em realidade, e cometendo mesmo
uma inconfidência, preferia não saber tantas coisas pretéritas da vida dela,
mas faz parte das desventuras de um casal que compartilha tudo, né...
- Senhor, infelizmente, não é possível reativar o chip
neste momento.
- Mas o erro foi de vocês. Eu não posso ser punido por
um erro que não me diz respeito, quem pariu Mateus que o embale, ora pelotas.
- Senhor, infelizmente, somente o titular da conta...
- Já sei, já sei!!! Você vai ficar repetindo isso e eu
não vou desligar o telefone enquanto o chip não for reativado. Isso é um
absurdo.
- Eu posso passar para o meu supervisor.
- Faz favor.
- Boa tarde, meu nome é W, em que posso ajudá-lo?
Então, pela terceira ou quarta vez, o jovem senhor
repete a estória para aquele que, quem sabe, teria a autoridade necessária para
resolver o problema do chip. Ledo engano, entretanto. O supervisor, educadamente,
embora aparentando certo sarcasmo no tom de voz, vai ver estivesse fazendo
gestos obscenos e caretas para o interlocutor, tudo isso observado às
gargalhadas pelos suicidas iminentes, repetiu a lenga-lenga anterior,
acrescentando a tal da “segurança da informação” como justificativa da não-aceitação
dos dados fornecidos por alguém que não o bendito titular da conta.
- Mas você percebe que isto é uma bobagem, não
percebe? Minha vovó pode ligar e dizer que é a senhora X, confirmar todas as
informações solicitadas e a segurança vai por água abaixo. Eu tenho todas elas
aqui, diz aí que eu mando na lata: data de nascimento, CPF, RG, nome do pai,
nome da mãe, comida preferida, cidade preferida, vinho preferido, com quem e
quando perdeu a virgindade.
Palavras ao vento. A ligação telefônica, de um
telefone fixo, é claro, já completava uma hora, e o jovem senhor foi vencido
pelo cansaço. Desligou, como manda a boa regra de etiqueta em casos como o
narrado, na cara do supervisor. Foi à cozinha, abriu uma cerveja, sorvida em
dois goles.
A titular da conta cancelou o plano, claro.
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