Era um vício. Almoçava correndo para chegar ao
colégio meia hora antes do sinal tocar. No pátio da entrada, eu e outros
colegas de turma fazíamos uma roda e colocávamos no centro, cada um de nós, uma
determinada quantidade de figurinhas autocolantes de diferentes temas –
campeonato brasileiro de futebol, Copa do Mundo (tenho nítidas imagens do álbum
de 1986, com a seleção do Iraque), desenhos animados (lembram-se dos
Thundercats?). As figurinhas tinham valor relativo, dependendo da raridade e da
necessidade do oponente em consegui-la ou, simplesmente, da estética.
Ainda novinhos, exercíamos a arte da negociação ao
estabelecermos a relação entre o número de figurinhas consideradas “comuns” a
serem colocadas no bolo e cada figurinha considerada “rara”. Definidos os
termos do embate, o Jogo do Bafo tinha início. O objetivo era, através da
batida de mão espalmada ou em forma de concha, fazer virar do avesso as
figurinhas desejadas - daí o termo “bafo”, porque o vento provocado pelas mãos
durante a batida no monte é que as fazia virar. Um colega era o nosso terror,
suas mãos tinham o tamanho de uma raquete de pingue pongue e ninguém queria
brincar com ele porque ninguém queria sair de mãos abanando.
O Jogo do Bafo, junto com a bolinha de gude, o
pique – esconde e a queimada, o futebol de botão, a pipa, o jogo de damas e de
xadrez, o carrinho de rolimã, o “taco”, o bate papo na portaria do prédio, os
aviões da Revel e uma série de outras brincadeiras analógicas, havia
desaparecido dos radares das crianças nascidas neste mundo cada vez mais
tecnológico e pouco afeito ao ar puro. No
entanto, uma onda nostálgica, sabe-se lá surgida de onde, resolveu dar as caras
e desafiar a Nintendo, o Playstation e o Netflix, afinal, o sol nasce para
todos.
Hoje, Miguel foi para a escola levando um bolinho
de cartas Pokémon. Para trocar com os amigos? Não, senhores. Para jogar bafo! E
foi me explicando, pelo caminho, que aquela carta que me mostrava não era tão
boa, que a boa era aquela outra por causa da raridade, ou do brilho ou de não
sei que outra característica os colegas definiram como desejável. Obviamente, o
moleque tentaria desfazer-se da carta renegada, convencendo os rivais a
aceitá-la no monte.
Direto do túnel do tempo.
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