Depois de muitos meses sem trabalho, minha esposa
aceitou a oportunidade de emprego numa outra cidade. Foi uma decisão conjunta,
eu a apoiei, “aguentaria as pontas” com o nosso filho enquanto a família estivesse
temporariamente cindida. Foram alguns meses de separação até que, finalmente,
os três puderam se reencontrar e reiniciar a vida em comum. A readaptação
sempre é difícil. Reconstruir o cotidiano, relacionamentos afetivos, a escola
do filho, o trabalho, amigos, descobrir uma boa padaria para tomar o café da
manhã de domingo, um parque, um campinho de futebol, um supermercado para fazer
as compras do mês, um bombeiro que, numa emergência, possa consertar um
vazamento. Acostumar-se com o frio e a chuva. Reconstruir referências de
identidade que te façam sentir-se parte de alguma coisa não é simples, mais
difícil ainda quando as famílias de origem ficam para trás e não basta
simplesmente tomar um ônibus e meia hora depois matar as saudades, dar um
abraço, jogar conversa fora, comer o prato preferido que a mãe faz como ninguém.
E olha que, na cidade nova, os moradores falam a mesma língua e a mudança foi,
por mais doída que seja, uma escolha. Exílio voluntário.
Faz muito anos, mas, sempre que lembro da cena, o
sentimento de vergonha retorna. Havíamos terminado a última aula da manhã e, no
intervalo para o almoço antes que retornássemos para as aulas do período da
tarde, fomos comer alguma coisa num restaurante perto da faculdade. Papo vai,
papo vem, e eu não saberia dizer qual foi o contexto, uma colega diz que nasceu
em Paris. Sem saber o porquê de a colega ter nascido lá, eu solto um “uau, que chique!”.
Em seguida, a porrada. Seu pai estava exilado, não estava de férias curtindo o
Rio Sena, tomando um bom vinho tinto e comendo queijo Brie com a esposa em vias
de dar à luz. Nada de romantismo ou glamour. Exílio involuntário.
No último final de semana, o candidato da
extrema-direita afirmou, para delírio de milhares de seguidores reunidos em São
Paulo, que, se eleito, “varreria do mapa” os “bandidos vermelhos do Brasil”, complementando
que “essa turma, se quiser ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de
todos nós. Ou vão para fora ou vão para a cadeia”, afinal, ele e seus eleitores
seriam o “Brasil de verdade”. É o retorno do lema “Brasil, ame-o ou deixe-o”,
repaginado como “Brasil acima de todos, Deus acima de tudo”.
O “vermelho” representa não só os petistas, mas todo e
qualquer brasileiro que não se alinhe às ideias do candidato. Que não apoia
regimes autoritários, que se opõe à tortura, que não seja racista, ou machista,
ou deprecie as mulheres, ou cristão, ou homofóbico, ou neoliberal, que seja a
favor do Estatuto da Criança e do Adolescente, contra a diminuição da
maioridade penal, a favor do Estatuto do Desarmamento, que defenda o Estado
laico.
Entendem por que lembrei da minha ex-colega de
graduação?
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