Conta a História que, após a morte de
Alexandre, o Grande, que havia liderado o exército grego na conquista do
Oriente, seu império desmoronou. A terra de Israel, depois de um período de
luta, acabou sendo dominada pela dinastia selêucida, que governava a região da
Síria. No ano 167 antes da Era Comum, o rei Antíoco decidiu obrigar todos os
povos sob o seu domínio a se helenizarem, banindo práticas consideradas
profanas, bárbaras, dentre elas, os rituais judaicos do Shabat – o descanso
semanal, iniciando com o aparecimento da primeira estrela, sexta-feira ao
entardecer - e a circuncisão dos recém-nascidos. A adoração a deuses gregos e o
sacrifício de porcos – “impuros” na cultura judaica - substituiu a adoração
tradicional no templo. Nem todos os judeus se resignaram à opressão grega. Matitiau,
um velho sacerdote, fugiu para as montanhas e organizou uma guerrilha.
Um de seus cinco filhos, Judá, o
Macabeu, herdou a liderança da resistência. Lutou contra o exército de Antíoco
e conseguiu libertar Jerusalém do domínio grego. Quando entrou no Templo
profanado pelo paganismo helênico, encontrou um
único vaso de óleo puro inviolado, suficiente para manter acesa a Menorá – o candelabro
de sete braços representando os sete dias da criação do mundo - por
apenas um dia. “Milagrosamente”, o óleo durou oito dias. Desde então, os judeus celebram a festa de
Chanuká – lê-se “Ranucá” ou, em português, “inauguração”, porque o Templo de
Jerusalém foi “reinaugurado” - para recordar a luta dos macabeus e o “milagre”
do óleo. O símbolo maior da festa é a Chanukiá, um candelabro de nove braços cujas
velas devem ser acesas, uma por uma, ao longo dos oito dias da celebração,
sendo o nono braço chamado de Shamash – “servente”, porque sua vela “serve” para
acender as demais.
Não por acaso, Chanuká também é
conhecida como a Festa das Luzes. A luz e a claridade representam,
simbolicamente, a reflexão, o pensamento crítico, o conhecimento, a
transparência, o discernimento, a liberdade, a diversidade de perspectivas. Quem
nunca ouviu frases do tipo “jogar luz sobre uma questão”, “dar uma luz”, “ver a
luz no fim do túnel”? E quando a mulher pare um filho, ela dá “à luz” porque
tira o bebê da escuridão do útero. Não à toa, o Iluminismo é conhecido como o “Século
das Luzes” porque tem na razão e no poder da argumentação, no questionamento de
dogmas e mitos, seu valor central, sua principal fonte de autoridade e
legitimidade. Em oposição, está a escuridão, as trevas, a ignorância, as falsas
verdades, as pós-verdades, o autoritarismo, a intolerância, o etnocentrismo – a
agressão de uma cultura por outra, violando padrões universais de justiça. As “certezas
pré-reflexivas”. A morte. De um lado, Harry Potter; de outro, Valdemort.
Os macabeus foram um símbolo de
resistência à arrogância e à prepotência de quem achava sua cultura superior, resistência
à ética comunitária, segundo a qual “não há princípios morais que ultrapassem
os embutidos na comunidade”, surgida como reação “ao perigosíssimo
universalismo ético da Ilustração, com sua noção de que o indivíduo podia
julgar sua própria sociedade à luz dos critérios universais”, regredindo “a
posições pré-iluministas semelhantes às da Antiguidade, para as quais a
validade da moral não ia além dos limites do clã ou da polis”, como nos ensina
o filósofo Sergio Paulo Rouanet.
Devemos todos honrar o espírito Macabeu.
Resistir ao racismo, à homofobia, à misoginia, ao desprezo pelo conhecimento
científico – “a Terra é plana”, “vacina não serve para nada” -, ao revisionismo
histórico - “nunca houve ditadura no Brasil” -, ao conservadorismo moral – “mulher
deve ficar em casa, criar os filhos” – e à mistura entre religião e política
que contamina a tudo e a todos.
Resistamos e, de preferência, em
torno de uma mesa farta e saborosa.
Chag Sameach! Felizes Festas!
Latkes (panquecas de batata e cebola)
com sour cream (creme azedo), Chalá (pão judaico) com mel; Klops (bolo de
carne, eu que fiz!), biscoito de chocolate com coco (receita da vovó) e legumes
cozidos. E a Chanukiá, claro.
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