É engraçado como a memória gustativa sempre nos lembra
de onde vimos, onde estamos e para onde queremos ir. Fomos, somos e seremos
aquilo que comemos, e aquilo que deixamos de comer.
Uma de minhas lembranças gastronômicas favoritas,
quando criança, é a pizza de sábado à noite. Acompanhava meu pai à Confeitaria
Itajaí e encarávamos uma pequena multidão que também tivera a mesma ideia, uma
balbúrdia ordenada, todos sequiosos pela deliciosa pizza de mussarela com molho
de tomate caseiro e que vinha em embalagem de alumínio e amarrada em barbante.
De vez em quando, também levávamos para casa, de sobremesa, a famosa Bola de
chocolate ao Rum (para os adultos) e triângulos de pavê. Para beber, uma
garrafa de um litro de Coca-Cola, retornável. Nós quatro – meus pais, eu e
minha irmã – sentávamos na mesa de fórmica azul que ficava na cozinha do nosso
apartamento nas Laranjeiras e nos deliciávamos, cada um com sua respectiva
fatia e copo de 300 ml de refrigerante, suficientes. Anos mais tarde, passamos a frequentar o Ponto
13, que era um restaurante e também servia uma pizza Romana – rodelas de
tomate, cebola, pimentão verde e azeitonas pretas – muito saborosa. De
sobremesa, tinha direito ao sundae de chocolate. Na volta do lanche,
assistíamos à Escolinha do Professor Raimundo na sua versão original, quando
ainda era engraçado.
Na década de oitenta, a década perdida, a inflação
galopante obrigava muita gente a fazer compras em hipermercados atacadistas. No
Rio de Janeiro, estes hipermercados – o Makro e o Freeway são os que me vem à
mente de imediato - ficavam na ainda
pouco explorada Barra da Tijuca, espécie de terra de Marlboro. Meus pais não
eram exceção à regra e, como boa classe média remediada sofrendo com a
desvalorização diária do orçamento doméstico, pegavam o velho Gol creme duas
portas e rumavam à zona oeste da cidade para as compras do semestre – está bom,
do bimestre... Além das garrafas de suco Maguary e latas de leite em pó Ninho,
o que me marcou destas compras em grande escala foram as caixas de madeira de
Polenguinho com nada mais, nada menos, do que setenta e duas unidades, e as
caixas de biscoito wafer Mirabel de chocolate, que eu adorava. Tudo consumido
com muita parcimônia.
Geralmente, eu levava de casa o lanche que comia na
hora do recreio. A garrafa térmica tinha suco de caju ou de maracujá. Para
matar a fome, maça envolta em papel alumínio, sanduíche de pão de forma com
requeijão, ou manteiga, ou geleia de morango, algum biscoito. O requeijão Poços
de Caldas sempre foi o mais caro, imagino que usávamos rotineiramente uma marca
semelhante. Catupiry, então, o original, tinha um preço bem salgado e sua
presença lá em casa era bissexta. O mesmo valia para os biscoitos, os da Elma
Chips – Cebolitos, Baconzitos, Ruffles, Zambinos – eram coisa rara, assim como
as fichinhas coloridas da lanchonete da escola, cada cor correspondendo a um
produto – a amarela era para a batata frita, a vermelha era para o hambúrguer,
a azul era para o refrigerante – e respectivo preço. Sucrilhos eram o Corn
Flakes, daqueles que a gente adoça com açúcar, o “do Tigre”, da Kellogg’s era
bem mais caro.
Na casa dos avós maternos, sempre havia uma caixa de
bombons Garoto. Quando abríamos uma nova, a diversão era catar os escassos
Serenata de Amor, geralmente um, com sorte dois em cada caixa. Quando vinham
três, então, a histeria era ampla, geral e irrestrita. Na despensa, garrafas de
Limão e Guaraná Brahma.
Na casa da avó paterna, por sua vez, também havia
bombons para recepcionar-nos nos almoços de domingo. Ficavam num pequeno pote
de vidro na sala de estar. Uma garrafa de Guaraná Antarctica acompanhava o “papá
com pipiu”, especialidade da Dona Lilia, que nada mais era do que uma mistura
saborosíssima de arroz, caldo de feijão, cenouras e batatas cozidas picadas,
servida num prato fundo e acompanhada de peito de frango ou peito de peru desfiados.
Raramente frequentava o McDonald’s ou o Bob’s, embora
adorasse o “Quarterão com Queijo” e o “Big Bob”. Quando parentes chegavam do
exterior, a expectativa era ganhar chocolates Lindt comprados no Free Shop do
aeroporto, ou chocolates M&M e chicletes diferentes trazidos dos Estados
Unidos.
À medida em que escrevo estas linhas, minha boca se
enche com mais e mais saliva. Não havia excesso de oferta de comida e
guloseimas, não havia uma quantidade quase infinita de opções nas prateleiras
dos supermercados nem nos armários da despensa lá de casa ou da casa de meus
avós, mas havia o suficiente. Um copo de Coca-Cola para acompanhar a fatia de
pizza de sábado à noite era suficiente. Conforto sem excesso. Acho também que o
sabor era realçado pela espera, pela necessidade de aguentar um punhado de dias
até o final de semana ou até o dia em que papai trazia, de surpresa, um
chocolate, ou que mamãe nos surpreendia com cachorro-quente para o lanche da
tarde. Não havia essa avidez, essa ansiedade, esse desespero de ter o que se
quer imediatamente, na hora que dá na veneta. Lidava-se melhor com a
frustração, aparentemente.
Vivemos a exacerbação do estímulo ao consumo e ao
consumo em excesso – alguém aí lembra do documentário “Super size me”? -,
associados ao barateamento de determinados bens – é uma impressão pessoal,
mesmo para uma família de classe média -, especialmente as guloseimas, os
refrigerantes, os biscoitos, os salgados. Ir contra essa corrente consumista avassaladora
é tarefa inglória, mas indispensável se quisermos criar uma geração menos mimada,
mais saudável, ética e ambientalmente responsável.
Saudades do Mirabel de chocolate...
Comentários
Lindo texto, viajei, obrigado Marcelo!
Lindo texto, viajei, obrigado Marcelo!