Não faz muito tempo, um aluno de doutorado do
Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo – USP se suicidou
no laboratório no qual trabalhava. No quadro negro que havia no local, deixou uma
mensagem em que dizia estar cansado de tentar, de ter esperança, de viver. O
texto terminava com a expressão em inglês “I’m just done”, ou seja, “para mim,
chega”. Colegas próximos diziam que sua
pesquisa enfrentava problemas, e ele estava “travado”.
Um estudo da Universidade de Gent, na Bélgica, concluiu
que doutorandos, em comparação com outros grupos profissionais com altamente qualificados,
sofrem com maior frequência sintomas de deterioração da saúde mental. Numa
amostra de quase 3.700 doutorandos, o estudo identificou que 41% se sentia sob
pressão constante, 30% estava deprimido ou infeliz e 16% se sentia inútil. Além
disso, 32% relatou, pelo menos, quatro dos doze sintomas associados ao estresse
– dentre eles, exaustão, falta de motivação, frustração, insônia, irritabilidade,
queda na performance no trabalho, mudanças frequentes no humor, sensação de
apatia e desesperança. O estudo concluiu que o desenvolvimento dos sintomas
independe da disciplina do doutorado – ciências exatas, ciências humanas ou
ciências médicas –, citando, também, que o orientador da tese e o
relacionamento familiar exercem papel importante, seja negativo ou positivo, na
saúde do estudante.
Neste final de semana, arrumando os armários lá de
casa, dei de cara com uma cópia empoeirada da minha tese de doutorado defendida
no final de 2006, um calhamaço de quase quinhentas páginas. Vieram-me
sentimentos ambíguos. Era muito prazeroso frequentar o Museu Nacional da Quinta
da Boa Vista – recentemente destruído por um incêndio -, conversar com a
imponente arara que nos recebia no jardim do antigo palácio imperial onde funcionava
o Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFRJ. Meu orientador sempre
esteve presente ao longo dos quatro anos de pesquisa e redação da tese,
exercendo vigilantemente o papel que lhe cabia. Este período foi fundamental
para a consolidação de minha formação como antropólogo, não tenho a menor
dúvida. A família, por sua vez, deu o apoio necessário.
Por outro lado, lembro-me das inúmeras vezes em que
senti que a pesquisa de campo e os insights teóricos “travavam”. Lembro-me, também,
das inúmeras noites em que o sono não vinha, preocupado com os prazos de
entrega de relatórios parciais e de trabalhos de curso, com cobranças legítimas
do orientador, com a defesa do exame de qualificação, com a quantidade sempre
insuficiente – na minha pobre cabecinha – de livros e artigos necessários para
o embasamento teórico da pesquisa, com a necessidade de defender a tese no
prazo estipulado porque tudo isso conta para a avaliação do curso de
pós-graduação pelo Ministério da Educação.
Neste período, também experimentei angústia e medo de
não conseguir chegar ao final da maratona, decepcionando meu orientador, meus
amigos e minha família. Sentia-me, vez por outra, um impostor, que se
autoenganava, na realidade incapaz de escrever qualquer coisa que prestasse e
fosse digna de um trabalho acadêmico de alto nível. Logo no início do
doutorado, iniciei um tratamento psicanalítico que me auxiliasse na compreensão
dos sentimentos que sentia, combinado com o uso de medicamentos ansiolíticos.
Desta parte do doutorado não sinto saudades alguma. Colocando na balança, o
saldo foi, inegavelmente, positivo.
A produção de conhecimento exige dedicação e uma boa
dose de sofrimento, admito. Como diz aquele slogan da Nike: “no pain, no gain”.
No entanto, quando o prazer da busca do conhecimento, da reflexão, do exercício
do livre pensar, da liberdade de criação, característicos da condição humana,
se transformam no impulso de morte ou na dependência de medicamentos
controlados, contradizendo esta mesma condição humana, é hora de pisar no
freio. Afinal, diferente do símbolo que encontramos nos maços de cigarro,
estudar não faz – ou não deveria fazer - mal à saúde.
A menos que sigamos os conselhos do ministro da
educação e vejamos, em “youtubers” que mergulham em piscinas de Nutella, um
símbolo de sucesso profissional e realização pessoal.
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