O pai babá


Foi engraçado, até. Faz uns anos, numa reunião com a psicóloga da então escola do meu filho, tomei um esporro monumental porque meu papel de pai estava sendo ofuscado pelo papel de amigo, o pai amigo sempre disponível para brincadeiras e outras vontades que dessem na veneta do moleque. Era importante estabelecer, na medida do possível e na perspectiva da saúde emocional de ambos, um equilíbrio entre o exercício da autoridade paterna e o nivelamento da relação nos momentos lúdicos. Ilustrando didaticamente com os conceitos do sociólogo francês François De Singly, um equilíbrio entre o “pai-elevador” - que levanta o filho nos braços acima da cabeça e depois o devolve à posição inferior inicial, vinculada à fase da família em que o homem era glorificado, em que lhe era atribuída uma superioridade, a família reunida por causa dos cuidados atentos da mãe, do salário do pai e da presença da criança – e o “pai-cavalo” – que leva a crianças nas costas, o pai aprendendo a se pôr no mesmo nível do filho, vinculado à segunda fase da família moderna, no qual a afeição entra em cena, o pai aproximando-se física e emocionalmente da prole. Seria muito ruim se eu substituísse ou tornasse menos importante as relações de amizade que meu filho começava a estabelecer com os colegas de sala de aula e da vizinhança. Deveríamos respeitar as “províncias de significado” que cabiam a cada um dos atores envolvidos, pai e amigos, cada um no seu quadrado.

Neste final de semana, com o sol brilhando, sugeri um futebol no parque perto de casa. Meu filho topou, mas pediu-me para convidar dois colegas da escola, o que assenti imediatamente. Mandei uma mensagem de whataspp para cada uma das mães, já que o grupo de whataspp criado pelas mães dos meninos da turma só tem mães, não pais, daí eu não fazer parte do convescote. Consegui falar com apenas uma. Já chegando ao parque, recebo uma mensagem informando que o pai do colega iria leva-lo e que também já estavam a caminho. Um brevíssimo diálogo, então, se desenrolou entre os responsáveis:

- Oi, tudo bem?
- Tudo tranquilo. E você?
- Tudo bem também. Até que horas você acha que fica por aqui?
- Ah, não sei muito bem. A gente vai ficando até eles se cansarem, eu acho.
- Ótimo. Você tem o telefone da minha mulher, não tem?
- Tenho sim.
- Certo. Então, qualquer coisa, você entra em contato com ela.
- Pode deixar.

E, em seguida, o pai do colega zarpou, tomou seu rumo, escafedeu-se.

Exerci diligentemente o papel de “pai-cavalo”. Incorporei o Taffarel que há em mim – como bom perna de pau, na minha época de escola, na hora do recreio, eu era relegado invariavelmente à posição onde, de tão desgraçada, nem grama nasce - e fui agarrar os petardos que os dois rapazes mandavam lá do meio de campo do pequeno campo de areia. Também dei os meus chutes, a maior parte saindo pela linha de fundo, sequer acertando o buraco formado pelas três traves. Uma vergonha. A brincadeira se alongou por quase duas horas, os meninos pediram arrego e voltamos, os três, para nossa casa, à espera da mãe do colega.

O colega do meu filho é bacana, no entanto, não tenho intimidade alguma com seus pais a ponto de responsabilizar-me por sua integridade física enquanto brincamos de futebol no parquinho da vizinhança. Até agora não entendi o porquê de o pai do colega tê-lo deixado sob os meus cuidados, sem sequer perguntar se eu aceitava importante encargo, por mais que me satisfaça viabilizar a programação dos pimpolhos. Talvez, se eu não pudesse ficar com os dois, o encontro “furasse”, mas o ponto não é esse, é o interesse em participar genuinamente da vida dos nossos “potrinhos”.

Da próxima vez, quem sabe eu apareça de uniforme branco, no estilo babá, e cobre os honorários, não é mesmo?



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