A revolta da vacina


Há alguns anos, um surto de sarampo iniciado na Disneylândia da Califórnia espalhou-se por outros dezessete estados norte-americanos, contaminando nada menos do que cento e vinte pessoas. Grupos de pais deixaram de vacinar seus filhos, sob o argumento falacioso de que a vacinação seria não só pouco segura e eficaz, mas aumentava o risco de desenvolvimento de autismo nas crianças. O Departamento de Saúde Pública da Califórnia - que aceita determinadas justificativas para a não vacinação dos filhos, como motivação religiosa ou crenças pessoais - alertou as famílias para os perigos que a doença traz, podendo levar à pneumonia, edema cerebral e, no limite, à morte. O sarampo, segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), no ano 2000 teria atingido entre 30 e 40 milhões de pessoas no mundo, com 770 mil óbitos. No Brasil, foi sempre a segunda causa de morte por doença infecciosa, perdendo somente para a diarreia.


Na semana passada, o governador de uma província italiana, um dos estandartes da campanha contra a obrigatoriedade da vacinação de crianças em idade escolar – “vacinar-se é oportuno para todos, mas a obrigação imposta pelo Estado não funciona” - foi internado após contrair catapora, uma das doze doenças cobertas pelo calendário de vacinação compulsória do sistema público de saúde italiano. Na Itália, bebês e crianças que não estiverem em dia com a carteirinha de vacinação são impedidos de frequentar creches e escolas, sob pena de multa de quinhentos euros aos pais irresponsáveis. O imunologista Roberto Burioni, compatriota do governador, escreveu o seguinte em sua página do Facebook:

“Os tons frequentemente são exaltados, mas lembre-se de que, se o vírus tivesse contagiado não você, mas uma criança transplantada, provavelmente estaríamos aqui chorando a sua morte; se tivesse contagiado uma mulher grávida, estaríamos frente a uma criança mal formada ou a um aborto. O único modo que temos para evitar essas tragédias é nos vacinar”

Seria cômico se não fosse trágico.

Por estas bandas, no estado do Paraná, desde 2018, é obrigatória a apresentação da carteira de vacinação no ato da matrícula escolar para alunos até dezoito anos de idade, em todas as escolas da rede pública e particular, que ofereçam educação infantil, ensino fundamental e ensino médio. A declaração de vacinação deve ser emitida e assinada por um profissional de saúde atestando que a criança ou o adolescente está com seu esquema vacinal de acordo com o recomendado no Programa Nacional de Imunização, do Ministério da Saúde. As carteiras de vacinação desatualizadas devem ser regularizadas em, no máximo, trinta dias, caso contrário, o Conselho Tutelar deve ser comunicado pela instituição de ensino.

Os pais são representantes legais dos seus filhos, não seus donos. O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 14, diz que “é obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”. É questão de saúde pública. Por mais escabrosa, se a recusa da vacinação afetasse apenas a criança, poderíamos aceitar a decisão familiar, no entanto, a possibilidade de infecção reflete na sociedade como um todo, extrapolando o âmbito privado. Não se trata, portanto, do respeito à diversidade de pensamento e ao multiculturalismo. O Estado não é o vilão, e sim a desinformação e a má-fé, a glorificação do antiintelectualismo, da pós-verdade, o orgulho da própria ignorância e do embotamento reflexivo num contexto de reencantamento do mundo e prevalência do pensamento mágico e sagrado.

Abraão fez escola.



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