Conta a História que há muitos e muitos anos um
sujeito chamado Assuero subiu ao trono da Pérsia, cujo império se estendia das
Índias até a Etiópia, dominando, nada mais, nada menos, do que cento e vinte e
sete províncias. Ele governava com mão de ferro e não hesitava em perseguir suspeitos
de traição. Cruel, mandou matar sua mulher, Vashti, por desobediência. Após
este feminicídio, talvez um dos primeiros de que se tenha notícia, mensageiros reais
foram enviados a todo o reino em busca de uma substituta mais “adequada”, de
preferência, bela, recatada e do lar. Dentre elas, uma órfã judia chamada Ester,
que foi coroada a nova rainha.
A rainha Ester tinha um pai adotivo, seu primo,
chamado Mordecai, que foi nomeado conselheiro do rei. Mordecai se recusava a
prostrar-se diante de Haman, o malvado Primeiro-Ministro do Reino, que
ostentava no peito a imagem do deus pagão que adorava. Indignado com o que
considerava petulância, insolência e humilhação, Haman passou a conspirar
contra os judeus, imaginando a melhor forma de exterminá-los. Não perdeu tempo
em elaborar uma longa lista de falsas acusações e difamações, afirmando que
eram um povo isolado, que vivia, comia e bebia entre si, que se recusava a integrar-se
ao resto da população, eram preguiçosos e subdesenvolvidos, constantemente
observando “dias de descanso”, versão bíblica do nosso Macunaíma. O Rei Assuero
caiu no “conto do vigário” e deu carta branca a Haman para fazer o que bem
entendesse com os traidores da nacionalidade persa.
Haman convocou os escribas reais, ordenando-lhes o
envio de dois decretos a todas as províncias. O primeiro ordenava a todos os
governadores que fornecessem armas ao povo para que, num determinado dia,
massacrasse certo grupo que em nada contribuía para o engrandecimento da nação.
O segundo indicava o nome do nefasto grupo, mas os governadores só tinham
permissão de abrir o envelope lacrado no dia mesmo da matança. A ordem
indicava, de forma clara e inequívoca, que os verdadeiros persas, de sangue,
deviam atacar e matar todos os judeus possíveis e imagináveis, jovens e velhos,
homens, mulheres e crianças.
Por sorte dos judeus, o profeta Eliahu apareceu nos
sonhos de Mordecai, revelando-lhe a má-sorte que estava por vir. Então, o
conselheiro real pediu à sua filha adotiva, a rainha, que intercedesse junto ao
rei, revelando-lhe, finalmente, sua identidade judaica. Ester assim o fez e
Assuero, perplexo com a revelação do “inimigo interno”, ordenou imediatamente
que Haman fosse morto na forca que, ironicamente, o Primeiro-Ministro havia
mandado construir para Mordecai, o insolente. “Que Haman seja enforcado!”,
ordenou Vossa Majestade.
Mas e os decretos reais, dando aval para o extermínio
dos judeus em todo o reino persa? Não havia possibilidade legal de anulação de
ordens já promulgadas, mas finalmente uma solução foi encontrada. Um novo
decreto foi publicado, avisando que Haman havia abusado da confiança do rei,
ordenando a morte de cidadãos leais, “cidadãos de bem”, em termos contemporâneos,
permitindo que os judeus, no dia marcado para o massacre, se defendessem da
forma como fosse possível. Então, na data fatídica, os “filhos de Abrão”
reuniram-se nas praças públicas de cada cidade e vilarejo e condenaram à morte,
reza a lenda, setenta e cinco mil inimigos.
As boas novas foram transmitidas a Ester pela boca do
próprio marido, mas ela, sedenta de sangue e vingança, ainda não estava
satisfeita:
“Existe ainda, em Shushan, numerosos e temíveis
inimigos que não cessaram suas atividades e que devem ser exterminados se o
país quiser vivem em paz. Se o rei achar correto, o dia de amanhã será dedicado
a julgar, em Shushan, os últimos inimigos dos judeus, pois eles são, ao mesmo
tempo, os inimigos da humanidade. E é preciso igualmente pendurar os corpos sem
vida dos filhos de Haman”.
E assim foi feito.
Hoje, celebra-se a festa de Purim, em homenagem à
rainha Ester. O relato da saga dos judeus persas é lido e, toda vez que o nome
de Haman é pronunciado, os convivas devem fazer barulho. O nome “Purim” vem da
palavra hebraica “Pur”, que significa sorteio, método usado por Haman na
escolha da data para colocar em prática seu plano maquiavélico. Costuma-se
comer um doce típico conhecido popularmente como “orelha de Haman”, triangular,
recheado de uva preta, geleia, doce de frutas ou sementes de papoula. A
mitologia dá conta de que o nome do doce vem do antigo costume de cortar a orelha
de quem seria enforcado, daí, as tradicionais, deliciosas e canibalescas
“orelhas de Haman”.
Que Evander Holyfield não nos ouça, mas uma orelhinha,
de vez em quando, é uma delícia...
A "orelha de Haman"
Myke Tyson e a "orelha de Holyfield"
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