Um recente estudo do Observatório Ibero-Americano de
Ciência, Tecnologia e Sociedade, intitulado “As desigualdades de gênero na
produção científica ibero-americana”, descobriu que o Brasil é o país da região
com a maior porcentagem de artigos científicos assinados por mulheres, nada
mais, nada menos do que 72% dos 53,3 mil publicados entre 2014 e 2017. Entre as
áreas de conhecimento, as mulheres representam 56% das autoras em publicações
na área da Medicina ao passo que, no outro extremo, nas engenharias, o “segundo
sexo” responde por 32% do conhecimento divulgado em periódicos científicos.
A relevância feminina no ambiente acadêmico é
confirmada pelo último Censo da Educação Superior, divulgado em 2016, segundo o
qual as mulheres representam 57,2% dos estudantes matriculados em cursos de
graduação e também são maioria entre os bolsistas da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, vinculada ao Ministério
da Educação, representando 60% do total de beneficiários na pós-graduação e nos
programas de formação de professores.
O movimento feminista libertou as mulheres dos
estereótipos relacionados ao seu papel na sociedade, tradicionalmente
associados à maternidade, à ideia de cuidado, de sensibilidade, ao ambiente
caseiro. O corpo docente das escolas primárias sempre foi majoritariamente
feminino, assim como a carreira de enfermagem. Então, quando vemos a “contaminação”
de espaços eminentemente masculinos pelo outrora sexo frágil, sobretudo nas
chamadas ciências exatas, percebemos que a desproporção entre as carreiras
profissionais é artificial, é um fenômeno social, em nada relacionada à capacidade
intelectual intrínseca de uns e outras. Uma professora da Faculdade de
Engenharia Elétrica da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, comprova,
na sua prática docente, como é difícil romper com “tradições inventadas”
arraigadas há muito tempo:
“Nas salas de aula, as meninas são cerca de 5% dos
estudantes. No departamento, temos em torno de 90 professores e somos cinco
professoras. (...) Quando você vai a congressos, são pouquíssimas engenheiras.
Você vê só ternos. Se você tem cem trabalhos sendo expostos, tem geralmente
três ou quatro pesquisadoras”.
Tudo gira, a meu ver, em torno das oportunidades dadas
e da valorização financeira compatível aos cargos ocupados. Assim, o feminismo
não é o equivalente ao machismo, mas uma reação positiva à desigualdade de
gênero, conforme muito bem colocado pelo filósofo e educador Mario Sergio
Cortella:
“Machismo não é o contrário de feminismo. Machismo é a
suposição de que nós, homens, somos superiores. Feminismo não é a suposição de
que mulheres são superiores. Feminismo é a crença de que homens e mulheres são
iguais. Por isso, o feminismo não é coisa só de mulheres. Eu sou feminista.
(...) O contrário de machismo é inteligência”.
Devemos celebrar a relevância feminina no ambiente
acadêmico como resultado da luta pela igualdade de direitos, prova de que a
inteligência não é qualidade herdada geneticamente. Por outro lado, exigir proporcionalidade
ou paridade de gênero nas carreiras acadêmicas e profissionais, uma vez
estabelecida a igualdade de oportunidades, não é sensato, na medida em que o
critério, o recorte a ser adotado deve ser a competência e a aptidão do
candidato. Escolher ou não o curso de engenharia, por exemplo, deve ser uma
opção de foro íntimo, individual, não uma exigência social ou necessidade de preenchimento
de vagas reservadas.
No mundo ideal, a notícia alvissareira será a
qualidade da produção acadêmica nacional por si, a qualidade do que é produzido
e não determinada característica escolhida aleatoriamente que identifique quem
a produz – mulher, homem, LGBT, branco, preto, brasileiro nato ou naturalizado,
de olhos claros ou castanhos, carecas ou cabeludos, corintianos ou
botafoguenses.
Política de identidades: use com moderação.
Estudo do
Observatório: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-03/mulheres-assinam-72-dos-artigos-cientificos-publicados-pelo-brasil
Mario Sergio
Cortella: https://www.youtube.com/watch?v=-wGgWP4pyW4&t=74s
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