Viado!


Dia desses, esperava meu filho na saída da escola. À minha frente, um grupo de alunos pouco mais velhos que ele, talvez onze, doze anos, brincava animadamente correndo de um lado para o outro. Surge, então, no meio da algazarra, um menino gritando, em direção a outro colega do mesmo grupo, “ei, viado!”. O colega, meio que automaticamente, olha em direção a quem lhe interpelou, que zomba de sua “admissão de culpa”. Segue a pretensa brincadeira, desta vez exclamando em direção a outro colega do mesmíssimo grupo, “ei, viado!”, esperando ver confirmada a “acusação” pelo olhar cúmplice do acusado. Logo depois, muda a estratégia e o termo depreciativo, agora era “ei, burro!”. Tudo isso sob o olhar complacente, condescendente de um monte de pais e mães, inclusive dos alunos protagonistas que, aparentemente, não se constrangiam ou se incomodavam com o que passava.

Digamos que o episódio narrado é reincidente. Não os protagonistas, mas o jogo acusatório. Meu filho relata, vira e mexe, que colegas seus de sala de aula depreciam homossexuais chamando-os de “baitolas” – para os homens – e “sapatões” – para as mulheres, depreciação porque carregam em si uma conotação negativa. Certa vez, perguntou a um desses colegas qual era o problema de alguém ser homossexual, e parece que o colega saiu meio contrariado, olhando de soslaio. Fiquei orgulhoso da confrontação porque nosso rebento, aos poucos, vai incorporando a forma como nós entendemos os relacionamentos afetivos, múltiplos na forma e no conteúdo, irredutíveis à posse de genitálias específicas, que é muito mais saudável ser criado por um casal de homens ou um casal de mulheres que dão amor e carinho do que, eventualmente, sofrer física e emocionalmente num lar “tradicional” tipo papai e mamãe.

Chama a minha atenção a equivalência entre ser “burro” e ser “viado”. Ambos os termos, para além da referência zoológica, funcionam como categorias de acusação. A acusação é uma forma de controle social porque objetiva fundamentalmente apontar desvios e desviantes, marginalizando quem diverge e não se adequa a determinados padrões de comportamento e visão de mundo considerados “normais” na perspectiva do dedo acusador.  O “burro” é incapaz de absorver o conhecimento formal, embora, segundo frase atribuída a Einstein, “todos são gênios, mas, se você julgar um peixe pela sua habilidade de trepar numa árvore, ele viverá a sua vida inteira pensando que é estúpido”. O “viado” é um doente, pervertido, pecador, incapaz de amar corretamente.

Perturba-me constatar que crianças “bem nascidas” reproduzam, desde o berço esplêndido, o discurso que normaliza, naturaliza o estigma impingido sobre aqueles que fogem do padrão heteronormativo. É por isso que o papel da escola não pode se restringir ao ensino das matérias “duras”, cabendo-lhe a árdua tarefa de resgatar os alunos da perversidade moral em que ainda nos encontramos, que justifica a intolerância e a violência contra o “diferente”, guiando-os em direção a uma ideologia inclusiva, não excludente tampouco odienta.




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