Era um lindo
domingo de outono em Curitiba, céu azul turquesa, límpido, o ar mais puro do
que de costume, a temperatura ideal para um passeio. Por indicação de um amigo,
fomos almoçar num restaurante sessentão, que eles chamam de churrascaria, que
não tem nada que ver com a churrascaria carioca, onde os garçons passam o tempo
todo nas mesas, freneticamente, com espetos e mais espetos dos mais variados
cortes de carne. Neste restaurante, com cardápio enxuto, à la carte, um dos
carros-chefes é a peça de alcatra de um quilo que serve até três pessoas,
acompanhada de maionese de batata e salada de tomate. Saborosa e macia,
excelente pedida, com mais uma porção honesta de farofa, cerveja gelada apara
os adultos, soda limonada para a criança. Ambiente aconchegante, um único
salão, preservando a estética original da década de 1950. Saímos satisfeitos e
com a promessa de retorno.
Decidimos voltar
para casa caminhando para “desbastar” a comilança. No trajeto escolhido,
passamos pelo Museu Oscar Niemeyer que abriga, na parte de trás, uma grande
área verde que os donos de cães apelidaram de “parcão” – o trocadilho não é dos
mais originais, mas, vá lá. Naquela hora, por volta de três da tarde, o gramado
estava lotado, tomado por famílias, amigos, namorados, todos estirados em
cangas e cadeiras de praia – “quem não tem cão, caça com gato” -, bebericando
uma taca de vinho, batendo papo, brincando pra lá e pra cá, jogando bola,
andando de bicicleta, literalmente “de papo pro ar”. Todos aproveitando a
generosidade da mãe natureza para “tirar o mofo” e a trégua na inclemência dos
dias cinzentos e emburrados que são bastante frequentes na capital paranaense.
Para falar a verdade, era a primeira vez que via tamanha quantidade de gente no
“parcão”, e fiquei feliz. Calor do sol, calor humano.
Tirei a camisa,
como manda a boa etiqueta carioca. Pedi ao meu filho que fizesse o mesmo, mas
ele não se animou. Olhei à minha volta e percebi que era o único, naquele
pequeno microcosmo de algumas centenas de pessoas, a despir-se da cintura para
cima – nem se fale, obviamente, da cintura para baixo, não estava de sunga.
Pouco tempo depois, um homem nos seus trinta e muitos anos, daqueles saradões
de academia, acompanhado de seu cão, também resolver tirar a camiseta e, assim
como eu, abriu uma “gelada” para cumprir fielmente o ritual.
É curiosa a
relação que os curitibanos, aparentemente, têm com o próprio corpo. Certa vez,
meu filho contou que, durante um jogo de futebol na escola, depois de marcar um
gol, levantou a camiseta do uniforme até a altura do peito e esse simples gesto
chamou a atenção da acompanhante da turma, que, nervosa, se deu o trabalho de
sair da sombra – fazia bastante calor naquele dia, segundo o relato do
rapazinho, daí talvez a menção em tirar a camiseta - e adverti-lo. O corpo como
tabu.
Esse “estar no
mundo” se reflete na própria cor da pele, e de maneira não muito saudável. Meu
filho sempre teve a pele bronzeada de sol, com níveis mais do que razoáveis de
vitamina D e, de tempos para cá, envergonhado de tirar a camisa em dias de sol
porque nenhum amigo curitibano tira e ele não quer se sentir excluído, um pária,
tenho notado sua tez cada vez mais pálida. Vergonha do corpo.
Quando os amigos
de escola se encontram aos finais de semana para um futebolzinho no parque, os
pais, muitas vezes, embora se conheçam há algum tempo, cumprimentam-se de
longe, com um aceno e um “oi, tudo bem?”. Na hora da despedida também,
afastamento físico e emocional. O indivíduo enquanto valor, o individualismo
enquanto ideologia.
Dizem que é parte
da identidade cultural do curitibano ser “fechado”, não muito simpático,
conservador nos usos e costumes. A depender de mim, vou continuar exibindo os cabelos
do peito, cada vez mais brancos.
Meu corpo, minhas regras.
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