Distraído com meus pensamentos naquele atípico domingo invernal
caloroso curitibano, sentado no sofá da sala ao lado do meu filho, sorvendo
prazerosamente um copo de cerveja depois de mais um dia de arrumação na casa
nova, o sexto endereço nos meus breves quarenta e um anos de idade, fazendo jus
à imagem do “judeu errante” - pensando bem, todos nós somos, ou deveríamos ser,
judeus errantes, cidadãos do mundo - ouço-o interpelar-me jocosamente:
- Presta atenção, Bambi!
Tomado de surpresa, olho pro guri com cara de espanto e peço
que me explique melhor o que significa a expressão, onde a ouviu, quem lhe
havia ensinado.
- Ah, foi um amigo da escola. O pai dele fala isso quando
está dizendo alguma coisa e o meu amigo não está prestando atenção ou está
distraído ou não ouviu direito aquilo que estava sendo dito.
Nem sei se meu filho assistiu ao filme “Bambi”, mas tinha certeza
absoluta que ele não associava, ao expressar-se daquela forma, a figura do
veado ao termo pejorativo “viado” que, dependendo de quem fala, com quem fala e
do contexto em que se fala, é uma categoria de acusação, mais do que um mero
estereótipo (porque estereótipos podem ser positivos, apesar de estereótipos),
é um estigma, uma característica negativa que deve ser condenada, repelida.
Diante do vácuo interpretativo que vislumbrei naquela cena do
sofá, da importância de transmitir nossa visão de mundo, nossos valores, vi-me na
obrigação de explicar-lhe exatamente isso. Que a ideia de chamar um homossexual
de “viado” é considera-lo um desviante, alguém que não se comporta corretamente,
que precisa de um corretivo - a conversão à normalidade, segundo alguns “psicólogos”,
ou a morte, no final da linha - mas nós não concordamos com isso. Que todo
forma de amor e afeto é bacana, que a expressão da sexualidade não define a bondade
e a maldade de ninguém, a ética das pessoas, ou sua falta.
Seres humanos não nascem preconceituosos, tornam-se
preconceituosos, o preconceito não é uma característica inata nossa. Nosso
papel é desconstruí-los para que as futuras gerações não os reproduzam,
evitando a naturalização da violência contra o “diferente”, o “outro”. Para que
não ouçamos mais pais dizendo a educadores que não querem saber “dessas
gayzices” que os “subversivos” ensinam por aí.
Tenho me sentido como uma ilha cercada de lixo cultural por
todos os lados. É verdade que esse lixo sempre esteve presente na
paisagem, a diferença é que, agora, seus representantes sentem-se livres, leves
e soltos para vomitar sua mediocridade intelectual, sua visão de mundo estreita
e provinciana, intolerante, mesquinha e violenta.
Querido Chico, tens razão: Amanhã, vai ser outro dia...
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