A passagem para o Ensino Médio – antigo Segundo Grau -
foi traumática. Tinha muita dificuldade em compreender as teorias e equações que
embasavam as leis da física – embora nunca as tenha negado, não sou
terraplanista e acredito na gravidade – tampouco conseguia assimilar facilmente
a lógica da química orgânica e as ligações entre os átomos de carbono, muito
menos o que se passava na química inorgânica.
Noites sem dormir também eram comuns nas vésperas de
testes e provas de matemática, especialmente trigonometria, senos, cossenos e
quejandos. Zerei um teste de trigonometria e direcionei minha raiva ao
professor, que era péssimo mesmo, nenhuma didática, escrevendo em letras
garrafais, em cada uma das questões, que ele não havia ensinado a matéria. Não
era verdade, obviamente, era apenas um mau professor, e eu, um mau aluno.
Na área de humanas, por outro lado, sempre fui bem.
Adorava as aulas de História, e os professores, diferente do que se passava nas
matemáticas, eram excelentes. Tanto assim que resolvi fazer a faculdade de
Ciências Sociais e depois segui dignamente os estudos no Mestrado e no
Doutorado na área da Antropologia. Gosto de escrever.
A Modernidade pulverizou “o conhecimento”, ele não é
mais linear. Não há mais os “guardiões da verdade”, aqueles indivíduos que
sabiam tudo aquilo que precisava ser sabido, os sábios do vilarejo. Vivemos um
tempo, há bastante tempo, de especialistas, de “sistemas peritos”, conforme
expressão do sociólogo Anthony Giddens. Valorizamos, agora, o “individualismo
qualitativo”, expressão de outro sociólogo, Georg Simmel, significando a nossa
plasticidade em circular por infinitos domínios profissionais, gostos e
estéticas, enfim, nossa quase infinita de capacidade de construção (e
desconstrução e reconstrução) de identidades. Nessa lógica, da qual partilho, não
há burrice em não saber trigonometria, não é uma questão de deficiência
intelectual, claro...
Em termos práticos, funciona assim: quando entramos
num avião, não precisamos saber como funcionam as turbinas nem os sistemas
hidráulicos porque há gente qualificada que preparou a aeronave para decolar. O
mesmo acontece com um elevador, a única ação que devemos executar é apertar o
botão do andar, porque o resto é “automático”. Cada um de nós tem mais afeto a
uma ou outra área de conhecimento, cada um de nós é mais feliz em determinadas
“províncias de significado”. Cada um no (s) seu (s) quadrado (s).
Sim, o burro existe. É aquele que, deliberadamente,
voluntariamente, a despeito do conhecimento prévio, toma decisões que podem lhe
prejudicar ou ao seu entorno. É colocar a mão no fogo, sabendo que a consequência
é uma queimadura; é não colocar o casaco e não levar o guarda-chuva, apesar da
insistência da mãe, num dia chuvoso e frio; é não fazer dieta e exercícios
físicos, apesar do exame de sangue indicar colesterol nas alturas e risco de
diabetes; é não usar o cinto de segurança; é beber, antes de dirigir; é não
usar camisinha porque promete “tirar antes”; é acreditar em “mamadeira de
piroca”, “kit gay”, “a terra é plana”, “não houve ditadura no Brasil”.
É ser gay e bater palmas para homofóbico; é ser judeu
e bater palmas para quem diz que “nazismo é de esquerda” e que dá para “perdoar
o Holocausto”; ser negro e bater palmas para racista. É estar desempregado ou
subempregado e acreditar que “menos direitos trabalhistas gera mais empregos”. É
não ter plano de saúde, desprezar o SUS e acreditar que os médicos cubanos eram
guerrilheiros comunistas disfarçados.
É não ser gay, nem judeu, nem negro, nem
estar desempregado ou subempregado e ter um bom plano de saúde e, por
perversão, maldade e falta de empatia, acreditar em “tudo isso que está aí”.
Hoje, pululam aos borbotões. É o “tiozão do
churrasco”, que seria um ótimo personagem rodrigueano d´A Vida Como Ela é. E,
por falar em Nelson Rodrigues, o Anjo Pornográfico foi profético quando disse que
“os idiotas irão tomar conta de tudo; não pela capacidade, mas pela quantidade.
Eles são muitos”.
Idiotas, burros e perversos.
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