Nossa pequena família nuclear é uma família sensorial, que
gosta do toque, do carinho, do abraço, do beijo, do cheiro, do cafuné – esse
brasileirismo tão bonito que traduz perfeitamente o sentimento de amor e
carinho pelo outro, que o dicionário define como “afago ou carícia com a ponta
dos dedos no couro cabeludo”. Acreditamos que os corpos falam. Corpos afastados
são tristes, solitários, inseguros, egoístas; corpos próximos são felizes,
generosos, solidários, afetuosos. Assim como seus donos.
Miguel inventou um ritual familiar faz alguns anos, o “abraço
de família”. Meio enciumado ao ver os pais se abraçando no meio da sala,
sentindo-se excluído, resolveu acabar com o clima de romance do casal
colocando-se no meio dos dois, como o recheio de um suculento sanduíche. Ele
era, a partir de então, a parte mais importante, afinal, ninguém liga pra dois
pedaços de pão secos, certo? O “abraço de família” transformou-se na
representação simbólica da solidariedade, do amor e do afeto entre nós três.
Eventualmente, serve como pedido de desculpas por havermos magoado ou irritado
os outros.
Às vezes, enquanto assistimos juntos a um programa na
televisão ou o observo a batalhar contra os amigos nesses videogames
hiper-realistas, sentados no sofá da sala, ou quando deita no meu colo
esperando o sono chegar, começo a fazer carinho no braço ou nas costas do
Miguel. Quando canso e paro, ele ordena docemente “Continua, papai”. E eu tenho que continuar, claro. Esse gosto pelo carinho é atávico, herdado geneticamente da
mãe, que estica as pernas despudoradamente em minha direção, exigindo o mesmo
tratamento dado ao rapazinho, e massagens no pescoço dolorido.
Quando a Renata viaja a trabalho, Miguel se aboleta na nossa
cama, preenchendo o espaço vazio. Não é medo de dormir sozinho coisíssima
nenhuma, é cara de pau mesmo, e o prazer do aconchego da presença física do pai
– e da mãe, quando o pai está fora. Outro ritual próprio, então, é reproduzido,
reafirmando e confirmando a solidariedade familiar, colocando mais um tijolo na
construção da memória do clã Sant’Anna Gruman: o “dormir de conchinha”, que
também cumpre a função de embalar o sono.
O que dizer, então, da cosquinha, essa “sensação particular
que provoca deleite, riso, irritação ou movimentos convulsivos, causada por
toques ou fricções leves e repetidas em alguns pontos da pele ou das mucosas”?
Sem mais nem menos, sou convocado para uma batalha em cima da cama e, quando
estou ganhando, o moleque finge pedir arrego, apenas para recomeçarmos, até que
finalmente cansamos os dois e precisamos beber água.
Outro dia, fui ao mercado. Miguel resolveu ir comigo. No meio
do caminho, ele pega meu braço e tasca um beijo. "Te amo".
Despretensioso, sincero, puro, gratuito, nada de segundas intenções. Beijo-o de
volta, na cabeça, sentindo seu cheiro, que ficará para sempre em minha memória
olfativa. Ele está crescendo, eu envelhecendo.
Que nosso amor seja eterno.
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