Carinho


- Miguel, sua mãe vai pra São Paulo hoje, só volta amanhã.

- Oba!

É sempre assim. Quando um de nós dois viaja a trabalho e passa a noite fora de casa, ele aproveita para se esgueirar na nossa cama e não há santo que o faça desistir da ideia de dormir conosco. Não tem mais a ver com o medo de dormir sozinho, mas a oportunidade de sentir mais intensamente nosso aconchego, cheiro, afeto e proteção. Para mim, é um alívio da “síndrome do ninho vazio”.

Ontem, o script foi seguido à risca. Depois do seu lanche da noite – sanduíche de requeijão e mortadela e suco, um clássico lá de casa – sentamos em frente à televisão para assistirmos a uma dessas séries de comédia que abundam no Netflix. Já tem idade para ler as legendas, porque convenhamos que a dublagem é sofrível, mas reclama que a voz em inglês “é muito feia”. Conversa pra boi dormir, penso com meus botões, tem mesmo é preguiça de usar os olhos, já cansados da rotina escolar estafante.

De início, está sentado. Depois de um tempo, resolve deitar no meu colo. Eu começo a “bater cabeça”, pra variar. O sofá é um sonífero pra mim.

- Papai, você tá dormindo?

- Não, meu filho...

Desligo a televisão e vou escovar os dentes. Ele faz o mesmo. Apesar do verão, faz um friozinho gostoso, e dormimos com um cobertor. A mãe, em qualquer época do ano, é friorenta. A Guilhermina, nossa gata do meio, já nos espera numa das pontas da cama, nós que nos viremos para não incomodá-la.

Miguel posiciona-se de lado. Pouco depois, me puxa pra perto, movimento já parte de nosso diálogo silencioso, que significa “fazer conchinha”, dormir abraçados. Diz, então:

- Te amo.

- Eu também, meu filho.

Apago a luz. Não são nem dez da noite.

Acordo antes das seis da manhã e vou fazer o café. Quinze minutos depois, ele aparece na cozinha.

- Rapaz, vai deitar! Está muito cedo ainda.

- Só se você vier comigo.

Pego a caneca transbordante e o acompanho de volta. Ele deita de bruços e levanta a blusa do pijama, outro silêncio significativo que grita “faz carinho, caramba!”. Sigo obediente a ordem.

- Cinco minutos, decreta.

Cinco minutos depois, paro o cafuné.

- Ainda falta um minuto.

- Ué, você está cronometrando de cabeça?

- Ahã.

- Sei...

A mãe volta hoje à noite. Azar dele (e meu!), que vai dormir na própria cama e sonhará com a próxima colher de chá.




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