Sobre babás, empregadas e o Mickey Mouse


Certa vez, fui a uma festa infantil. Se não me engano, era uma linda tarde de domingo. A bem sucedida juventude carioca compareceu com a filharada e as babás a tiracolo, devidamente vestidas de branco, como se espera de submissas mucamas pós-modernas saídas de uma gravura de Debret. A brilhante e afluente juventude, sinhozinhos e sinhazinhas, botando o papo em dia, porque ninguém é de ferro, e a filharada sem encher a paciência. Aquela cena me constrangia, mas, aparentemente, eu era um peixe fora d´água. Era mais comum – embora não menos condenável – do que sonhava minha vã filosofia.

Há alguns anos, o Ministério Público do Rio de Janeiro investigou clubes da elite carioca denunciados por práticas discriminatórias contra babás que acompanhavam seus patrões, obrigadas a vestirem branco. Em sua defesa, os clubes afirmavam que a obrigação da vestimenta era uma norma padrão, uma forma de identificar quem estava prestando serviço externo, permitindo a distinção entre sócios e não sócios. A promotora do caso esclareceu em nota, à época, que "a medida estabelece imediata identificação de trabalhadores domésticos no ambiente dos clubes. O objetivo é demarcar, para os frequentadores, as condições sociais destes trabalhadores". 


Anos depois, um clube da elite paulistana foi alvo da mesma investigação. O clube justificou-se mais ou menos nos mesmos termos do par carioca, mas a promotora do caso, embora considerando válido que se exija dos funcionários o uso de uniformes, para que os sócios possam, por exemplo, identifica-los “e solicitar prestação de serviço de forma mais célere”, estranhou a necessidade das babás serem identificadas pelos demais sócios, afinal, “os convidados dos sócios, amigos e familiares não são obrigados a usar uma identificação que os discrimine, que indique não serem associados”.

Ou seja, embora juridicamente aceitável – mas moralmente execrável – a combinação dos termos entre patrão e empregado, o clube, como uma terceira parte na relação entre o empregador e o prestador de serviço, não pode cercear direitos e obrigar o uso de uniforme numa “relação bilateral do qual ele não pertence”, nas palavras de um dos coordenadores da ONG Educafro.

O depoimento de uma ex-babá é cristalino e expõe o caráter perverso de uma relação trabalhista que insiste em incorporar características próprias de regimes escravocratas.

“O uniforme deixa claro que você é serviçal. Serviçal é serviçal. Patrão é patrão. A roupa nos marca. É a mesma coisa no shopping. As patroas gostam de desfilar no shopping com a babá. Elas estão pagando por isso e dá status. Não fica bem diante das amigas desfilar com a babá com roupa normal. Já trabalhei para patroa de 20 e poucos anos que exigia que a chamasse de dona ou senhora. Era muito estranho chamar alguém tão mais novo desta forma”.

“Dizem que é bom usar uniforme porque deixa claro que a roupa está limpa, evidenciar o capricho da babá. Mas eu não trabalhava com bebê, mas com crianças maiores. Aí, a roupa branca é péssima porque você tem de deitar no chão, jogar bola. Isso suja muito a roupa, e você precisa trocar toda hora”.

Pois é. Babás e empregadas devem usar uniforme e, como bem disse um dos representantes dessa elite do atraso, o próprio ministro da economia, nada de viajar para a Disneylândia.

Cada macaco no seu galho.


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