Eu e Maradona

Acordei cedo, o jogo era às onze da manhã. Um domingo lindo, céu azul, nenhuma nuvem no céu. Tomei café e segui pro ponto de ônibus, na Avenida Scalabrini Ortiz. Como ele demorasse a passar e eu ansioso para chegar logo, afinal, ainda tinha que comprar o ingresso, decidi tomar um dos icônicos táxis negro-amarelos. O motorista, simpático, puxou papo e fomos conversando. Modéstia à parte, meu espanhol não é de todo ruim, merecedor até de algum elogio. Confidenciei-lhe que nasci no Brasil, embora meu coração fosse portenho. Ele riu, senti uma ponta de orgulho nativo ao ouvir essa declaração de amor à cidade. Ele, por sua vez, caiu no clichê do apaixonamento pela mulher brasileira.  

Chegamos ao bairro de La Paternal, fundado, por decreto, em 1904. É, eminentemente, residencial, com muitas casas. Há, pelo menos, duas versões para o nome do bairro. Uma, diz que certa companhia de seguros, chamado “La Paternal”, possuía muitos terrenos na região, onde construiu casas para seus funcionários. Outra, diz que o nome foi dado por conta de um armazém de mesmo nome que existia por aquelas bandas. Ali, também está localizado o Estádio Diego Armando Maradona, onde o time do Argentinos Juniors manda os seus jogos do campeonato argentino. Levou dez anos para ser construído, inaugurado em 2003, com capacidade para cerca de vinte e cinco mil pessoas.  

A homenagem ao maior jogador de futebol argentino – e o melhor de todos os tempos, segundo muitos - não é coincidência. Dieguito surgiu para o mundo exatamente ali. Conta-se que, aos nove anos de idade, seu talento com a bola já o fazia ser o moleque mais popular na favela onde morava, nos subúrbios de Buenos Aires. Um amigo, depois de ter sido aprovado em um teste para as categorias de base do clube, respondeu aos elogios dizendo que conhecia um garoto ainda melhor. Ao ver Maradona, o treinador e seus auxiliares ficaram simplesmente estupefatos com o talento do “pibe”. Sua perna canhota operava milagres. Foi artilheiro dos campeonatos de 1979 e 1980, quando se transferiu para o mítico Boca Juniors.  

O motorista me deixou a algumas quadras do estádio, já que as ruas vizinhas estavam interditadas. Parei num mercado para comprar uma cerveja. Doce ilusão. Em dias de jogos, o comércio local, ao redor dos estádios, está proibido de vender bebidas alcoólicas. Também não há torcida visitante. Foi a maneira que o governo encontrou para coibir a violência endêmica que assola o futebol, puro reflexo da violência que permeia a sociedade. De cara limpa, fui comprar o ingresso.  

Antes de entrar no estádio, passa-se por um cordão de policiais, que te pedem um documento de identidade. No meu caso, o passaporte, do qual só tinha uma cópia e quase fui detido por estar sem documento, afinal, a xerox de passaporte não vale nada. A policial, muito mal-humorada, sabendo-se dona do poder de prender e soltar, parecia divertir-se com a situação. Argumentei que o passaporte havia ficado no apartamento. Ela olhou fundo nos meus olhos e, num gesto de boa vontade, deixou-me passar.  

O estádio é acanhado, nada parecido com essas modernas “arenas”, insossas e insípidas. É semelhante aos estádios dos subúrbios cariocas, do Madureira, na Rua Conselheiro Galvão, ou do Olaria, na Rua Bariri. Subo as escadas em direção às “sociais”, a área considerada nobre que, na realidade, pouco se diferencia da “popular”, apenas com uma cobertura para os dias de sol mais inclemente. Não há grande conforto, embora seja o tipo de estádio que me dá mais prazer, estádio “raiz”, assentos de cimento. Transpiram história e memória. As cabines de rádio e televisão ficam logo ali atrás, é só levantar-se e bater um papo com os narradores e comentaristas, todos eles, aparentemente, conhecidos do público local. Três gerações juntas e misturadas, e olha que os mais velhos capricham nos palavrões, uma graça. O ambiente é familiar, como se vê.  

O jogo acaba. Tenho fome. Vou caminhando até a Avenida Juan B. Justo, tomo um ônibus de volta até o bairro de Villa Crespo. Vou almoçar num restaurante judaico local. Um pai com as duas filhas, na mesa em frente, também está vindo do estádio, devidamente uniformizado. A comida é inacreditavelmente saborosa, e os donos fazem questão de supervisionar cliente por cliente. Resolvo voltar para casa caminhando até Palermo, a cidade convida ao passeio. Um típico domingo portenho. 

O Argentinos Juniors via mal das pernas. Não foi páreo para o Independiente, que marcou dois a zero. Mas isso, obviamente, é mero detalhe... 




Comentários