Logo após a implantação do ensino à distância, por conta do isolamento social consequência da pandemia, através de uma plataforma gratuita que a escola providenciou, a mãe de um colega desabafou que estava tendo muita dificuldade de entender seu funcionamento e que a escola estava "jogando" um monte de matéria sem o acompanhamento necessário dos alunos, e que esta metodologia não estava dando certo. No final do desabafo, disse, em tom de pilhéria, com direito a pontinhos de exclamação, que "até as escolas públicas" tinham uma metodologia melhor, com aulas exibidas em canal de televisão aberta, de acordo com uma vizinha cujos filhos estudam na rede pública de ensino curitibana.
A fala elitista da mãe do colega reflete o desprezo que boa parte da classe média tem pelo ensino público, considerado de segunda categoria, porque nivela os alunos independente de condição socioeconômica. Como é comum no ethos nacional, o bem público só é valorizado quando pode ser apropriado por interesses privados, acentuando ainda mais o fosso entre ricos e pobres.
Estudar em escolas particulares é, assim, um símbolo de distinção social, ao passo que, estudar em escolas públicas é símbolo de fracasso e vergonha. E o ensino à distância só veio explicitar ainda mais a exclusão digital e a desigualdade social pornográfica do país. O próprio ministro da educação afirmou que o Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM não foi feito para corrigir injustiças, e sim para selecionar os melhores, embora boa parte dos estudantes não tem acesso à Internet, por conta da suspensão das aulas presenciais. Meritocracia para quem pode.
Engana-se, também, quem acha que tal visão de mundo permeia apenas os bem nascidos quatrocentões e a classe média cafona e preconceituosa, porque contamina a sociedade brasileira como um todo, inclusive quem faz uso do ensino público e pertence aos extratos sociais mais desfavorecidos. Quando meu filho estudou numa escola municipal do Rio de Janeiro, era chamado por alguns funcionários de "o menino da escola particular". E não raro observava olhares em nossa direção, de pais e mães, sobretudo, no estilo "rabo de olho", carregados de ressentimento e raiva, como que perguntando "o que é que vocês estão fazendo aqui, seus riquinhos de merda? Seu lugar e outro, aqui é pra quem não tem como pagar uma escola grã-fina, aqui é pra quem precisa se contentar com a raspa do tacho".
Então, nos deparamos com uma notícia que comprova a insaciável necessidade de reforçar a hierarquia social, o "você sabe com quem está falando", o "coloque-se em seu lugar", embora, teoricamente, o interlocutor pertença ao mesmo grupo.
Segundo reportagens, a mãe de um aluno de tradicionalíssimo colégio particular de Fortaleza, capital cearense, reclamou, num grupo de WhatsApp, que seu filho estava compartilhando a mesma "sala de aula "virtual com alunos de outra unidade. A mãe reclamona e seu filho dileto moram na Avenida Beira Mar, endereço dos mais caros da cidade, enquanto a unidade dos colegas "intrusos" fica num bairro de classe média, sacrilégio dos sacrilégios.
"Não me incomodo de pagar mensalidade integral. Mas me incomodo com o fato de meus filhos estarem tendo aula online com crianças da sede do (nome do colégio). Moramos na (Avenida) Beira Mar, não faz sentido isso. Podem me chamar do que quiserem, mas não sou hipócrita, o nível é outro. (...) Com esforço e trabalho, enriquecemos. Quero meus filhos convivendo com gente, no mínimo, do mesmo nível"
A mamãe zelosa tem toda a razão. Ela não é hipócrita. Destila orgulhosamente o preconceito de uma elite violenta e ignorante, oca por dentro. O nível é outro mesmo.
Baixíssimo.
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