Miguel, 11

"Papai, eu tenho orgulho de você ser meu pai". 

Eu juro de pés juntos que não o obriguei a nada. Voluntaria e deliberadamente, ele solta essa preciosidade. Era sincero, vinha do coração. Estávamos em pé, abraçados, prontos para mais uma partida improvisada de pingue pongue na mesa de futebol de botão armada no meio da sala. Em tempos de pandemia e isolamento social, o jeito é fazer do limão, uma limonada.  Ele diz, com um sorriso sarcástico de canto de boca, que eu sou um "amigo de setenta anos", embora mal tenha passado dos quarenta. 

O carioca da gema está perdendo o sotaque, aquele chiado característico, e "esquecendo" determinadas palavras, para nosso desespero. A rotina curitibana é implacável. Por outro lado, está ganhando pelos alourados nas pernas e nos braços, que ele promete raspar porque acha feio, e eu, barbudo e peludo desde sempre, dou-lhe um esporro prometendo deserdá-lo caso o faça. Em pouco tempo, alcançará a altura da mãe, e sonha com o dia em que me olhará de cima para baixo.  

Ama seus gatos, os três. Dorme com a Guadalupe, a mais velha, que lhe faz companhia desde o berço. O pediatra que participou do parto, lá se vão onze anos, recomendou que nos desfizéssemos dos gatos por questões de saúde, então, decidimos nos desfazer do pediatra, a primeira de inúmeras decisões que tivemos de tomar em relação ao bem-estar de nosso filho. À simples menção da mortalidade de Guadalupe, ou do da Guilhermina ou do Leopoldo, seus olhos enchem-se de lágrimas.  

Hoje, quando levantei para fazer o café, ainda antes das sete da manhã, ele, milagrosamente, já estava acordado, sentado no sofá da sala. Da cozinha, perguntei o que queria comer. Sucrilhos com leite, respondeu. Levei a tigela e fui lavar a louça que se acumulou da noite anterior. A tigela, com um resto de leite, foi deixada na mesinha de centro, para regozijo do Leopoldo.  

Pedi, como um mantra repetido diariamente, que fosse trocar de roupa, escovar os dentes e pentear a cabeleira, sem esquecer das meias porque está fazendo frio (pai judeu, gente, pai judeu...), e ele me pede para sentar um pouco ao seu lado para assistir um de seus desenhos favoritos - O Incrível Mundo de Gumball - do qual também sou fã, e cujo personagem principal está tatuado em meu braço direito. Risos cúmplices. Ele deita a cabeça na minha coxa e me pede carinho nas costas, já uma tradição em nossa relação pai-filho.  

É uma criança feliz, sensível, com um sorriso esplendoroso, doce como o sonho de creme que vem correndo me pedir para comprar quando o "carro do sonho" passa em frente de nossa casa.  

Orgulho e sorte tenho eu de vivenciar seu crescimento, sua formação moral e intelectual, tê-lo como filho, Miguel. 

Amo-te, moleque.  



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