Cagões!

Amanhã, o Flamengo pode sagra-se campeão brasileiro pela oitava vez. O time rubro-negro, que visitará o São Paulo no estádio do Morumbi, está um ponto à frente do Internacional de Porto Alegre, segundo colocado, que receberá em seus domínios a equipe do Corinthians. Embora o nível técnico do campeonato não tenha sido lá essas coisas e, pior ainda, os jogos tenham sido disputados sem público por conta da pandemia, descaracterizando a essência do esporte, confesso ser difícil ficar indiferente. Receio que vou sentir aquele frio na barriga quando os times entrarem em campo, talvez mesmo não consiga assistir à partida, como se isso, ledo engano e armadilha psicológica, fosse alterar o resultado. Acho que esse cagaço tem seu mito de origem no distante ano de 1987. 

Naquele ano, o Flamengo exibia em seu elenco uma verdadeira seleção de craques. Zico, Bebeto, Renato Gaúcho, Zinho, Leandro e o excelente goleiro Zé Carlos. O adversário nas semifinais do campeonato seria o Atlético Mineiro, treinado por mestre Telê Santana, outra excelente equipe e favorita àquela altura, invicta até então, com o melhor ataque e a defesa menos vazada. O primeiro jogo foi disputado no dia 29 de novembro, um domingo, num Maracanã abarrotado com mais de cento e dezoito mil pessoas, e o Flamengo venceu por um a zero, com gol de Bebeto.


Três dias depois, uma quarta-feira à noite, no estádio do Mineirão, em Belo Horizonte, diante de mais de oitenta mil atleticanos, as duas equipes decidiriam o finalista daquela edição do Brasileirão. Em meia hora de jogo, o Flamengo já vencia por dois a zero, gols de Zico e Bebeto. A partir daquele momento, era manter a posse de bola, jogar nos contra-ataques, explorar o desespero crescente dos mineiros e correr para o abraço. Nem o mais otimista rubro-negro imaginaria tamanha façanha em tão pouco tempo de jogo, sabedor da fortaleza ofensiva atleticana e do alento que sua torcida daria os noventa minutos, um verdadeiro caldeirão na Pampulha.


Então, veio o segundo tempo. O Flamengo cansou de perder gols e, como diz a máxima, "quem não faz, leva". Em parcos cinco minutos, entre os quinze e vinte da etapa final, o Atlético empatou o jogo. Assistíamos a partida na televisão que ficava em cima da cômoda no quarto dos meus pais, no nosso apartamento das Laranjeiras. No momento do empate atleticano, meu pai levantou-se e, sem falar nada, saiu de casa. Foi espairecer naquela noite abafada de dezembro. Lembro que os vinte minutos seguintes ao empate foram um martírio, uma pressão infernal dos donos da casa até que, numa arrancada espetacular, Renato Gaúcho driblou o goleiro e decretou a vitória flamenguista. Meu pai estava caminhando pela Rua General Glicério quando ouviu a explosão de gritos dos apartamentos - "Mengo!!!" - e teve a certeza de que puláramos à frente no marcador. Ele não sabe se ficou zanzando nas ruas desertas, esperando o final do jogo, ou se voltou logo para casa. Mero detalhe. Foi difícil dormir naquele dia.


Curiosamente, o Internacional de Porto Alegre, que já contava com o goleiro Taffarel, foi o adversário da final de 1987. No jogo de ida, no Rio de Janeiro, o Flamengo venceu por um a zero, gol de Bebeto. No jogo de volta, em Porto Alegre, o empate sem gols fez o Mais Querido levantar, então, a taça pela quarta vez. Na minha lembrança, os jogos da final não foram tão sofridos, coisa estranha.


Seja como for, eu e meu pai partilhamos não apenas a paixão pelo Flamengo, mas, também, certa angústia diante da opressão do inimigo futebolístico.


É, digamos sinceramente, um cagaço familiar... 




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