Invariavelmente, lá pelas onze e tanto da manhã,
diariamente, recebo uma mensagem do meu filho pedindo que lhe traga alguns
salgadinhos de queijo e presunto da pequena padaria a caminho de casa. Uma
espécie de aperitivo antes do almoço, péssimo hábito durante a semana, admito.
No final do dia, paro ali para comprar o pão francês do lanche do final do dia,
algum queijo prato e presunto. Também levo, geralmente às quintas-feiras, um
pouco de fermento fresco para a pizza de pimentões vermelhos que aprendi a fazer
segundo a tradição portenha, a melhor pizza do mundo. No final do ano, é ali
que encomendamos o pão para as rabanadas, obrigatórias. Os donos são dois
jovens rapazes que se revezam no caixa e, mimetizando o carioca forasteiro,
agradecem a preferência repetindo o meu “até mais” quando me despeço.
Na segunda-feira, após o primeiro das eleições, a
padaria publicou, numa rede social, uma imagem do mapa do Brasil. De vermelho,
os estados onde Lula ganhou mais votos – dentre os quais, unanimemente, os
nordestinos - e, em azul, aqueles em que Bolsonaro foi o mais votado – dentre
outros, os três sulistas. Abaixo da imagem, uma legenda em que se lia mais ou
menos o seguinte:
Os estados do Nordeste são os que exibem o menor IDH e, mesmo assim, resolvem votar num ex-presidiário. Não é à toa que, depois, vem pro sul procurar trabalho. Isso fala muito do brasileiro.
Não é a primeira vez que testemunho ataques xenófobos
em Curitiba. Meses atrás, num muro perto de casa, a
seguinte frase o emporcalhava: "O Greca (Rafael, prefeito de Curitiba)
entregou o comércio para o crime organizado de nordestinos". Uma injustiça
com prefeito, logo ele que, no inverno do ano passado, exaltou a geada que se
abateu sobre a cidade, celebrada pelos curitibanos de “DNA europeu”, eslavo,
polonês e ucraniano, enfim, branquinhos como lindos flocos de neve. Num táxi, o
motorista explicava o aumento da pobreza e da violência na capital paranaense à
chegada de nordestinos, especialmente, baianos e, num grupo de WhatsApp
dedicado ao futebol de botão, sabe-se lá por que motivo, alguém resolveu jogar
sobre os ombros dos “haitianos” o perigo de andar pelas ruas do centro da
cidade.
Em frente à padaria, um prédio de sete andares coalhado de bandeiras nacionais. A xenofobia explícita associada ao patriotismo xucro verde-amarelo espelhado no lema “Deus, pátria e família” me causa mal-estar e associo, inevitavelmente, às bandeiras vermelhas pendendo dos imponentes edifícios da Berlim de 1933. Vermelho que, como se sabe, nada tinha que ver com socialismo ou comunismo, embora o partido ali representado exibisse “socialista” no nome. Coincidência ou não, o atual chefe do executivo flerta com representantes desse pensamento racista e xenófobo, como o presidente húngaro Viktor Orban, a direita norte-americana dos copos de leite e das tochas e cruzes ardentes e a AfD (Alternativa para a Alemanha), herdeira direta do nazismo hitlerista.
Sou neto de imigrantes judeus poloneses, sobreviventes
do genocídio. Eu já fui o “outro” indesejado. Segundo conta minha mãe, certa
vez minha avó trouxe da escola uma prova perfeita que, embora merecesse, não
obteve a nota máxima. Minha bisavó, inconformada, procurou a professora
indagando o porquê. A resposta foi curta e grossa: “Porque ela é uma Weigler”,
quer dizer, uma judia.
Digo que “fui” indesejado, e não “sou”, porque não
sinto na pele, hoje, ainda, o antissemitismo que meus antepassados sofreram, a
despeito do aumento exponencial do número de células neonazistas, sobretudo,
ora vejam vocês, na região sul do Brasil a partir de 2018. Por ser humano, entretanto,
coloco-me no lugar desse “outro” contemporâneo, desse bode expiatório, desse
mal encarnado indesejado e lhe sou solidário.
Nada é por acaso, ninguém foi pego de surpresa, de “calças
curtas”, como se diz popularmente. A pregação da intolerância, típica de
regimes fascistas, gera isso. Num primeiro momento, a violência verbal e
simbólica, a “arminha” com as mãos, o “Vai pra Cuba, Vai pra Venezuela”. Em
seguida, as agressões físicas e os assassinatos com motivação política, como
testemunhamos recentemente em Foz do Iguaçu. O próximo passo é a exclusão territorial
e, por fim, o extermínio físico.
“Ah, Marcelo, você está sendo dramático”, dirá você.
Será?
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