Diário de viagem

Às cinco da madrugada, precisamente, ouço o barulho de algo caindo no chão da cozinha. Leopoldo, o gato mais velho, uma década muito bem vivida, achou uma maneira criativa de dizer que está na hora do café da manhã. O objeto caído em questão é uma pequena cumbuca de plástico disposta, estrategicamente, à frente da louça. Seguro morreu de velho: o vetusto felino já nos fez perder alguns copos de vidro, lançados impiedosamente da bancada.  

 

Levanto, ainda às escuras. Estou sozinho, Renata foi dormir na casa de uma amiga, que teve a casa arrobada há alguns dias. Miguel foi a um churrasco na noite anterior, e aceitou o convite para dormir por lá mesmo. Recolho a cumbuca do chão e abro o sachê de ração mole, que é dividido com a mascote, Cecília, prestes a completar um ano de vida. Depois do prato principal, um pouco de leite para ambos. 

 

Ligo a televisão. Na tela, a seleção brasileira feminina de handebol enfrenta as húngaras em seu primeiro desafio nos Jogos Olímpicos de Paris. Logo perco o interesse. Mudo de canal. Na TV Senado, um documentário sobre Ferreira Gullar me cativa. Ele está contando sobre o processo criativo para a escrita do “poema sujo” e o périplo do exílio. Depois de passar seis anos em Moscou, voltou à América Latina, andou pelo Peru, desembarcou no Chile pouco antes do golpe militar que assassinou Salvador Allende e, enfim, Buenos Aires logo após a morte do general Juan Domingo Perón. As condições de vida eram muito duras, seu passaporte estava vencido e, para piorar, o golpe militar que instaurou a ditadura de Videla e ensejou as ações coordenadas das polícias secretas argentina, uruguaia e brasileira apenas aprofundaram a angústia e os pesadelos do poeta. Mas, apesar dos pesares e da crua e violenta realidade, por que Buenos Aires? Gullar resume numa frase singela, porém verdadeira: “É uma cidade aprazível”. Sorrio, antes de um bocejo e um gole no café preto recém-coado.

 

Estive em Buenos Aires, pela primeira vez, em 2011, com Renata e Miguel, que tinha apenas um ano e meio. Levei trinta e dois anos da minha vida para conhece-la, um espanto. Na minha época de pré-adolescente e adolescente classe média do Rio de Janeiro, o bacana era conhecer a Disney e depois fazer compras em Miami e, se possível, assistir a um jogo de basquete da NBA, que passava às sextas-feiras na Rede Bandeirantes. E também trazer chocolates M&M e chicletes diferentes, e tênis Nike ou Reebok. E comer no Kentucky Fried Chicken e no Pizza Hut. Havia um embevecimento por estar ali onde, na televisão aqui, se divulgava (e divulga) e propagandeava (e propagandeia) o quão prazeroso e divertido era o estilo de vida norte-americano. Fui duas vezes, como se uma não bastasse. E amadureci. 

 

Certa vez, ouvi de um psicanalista, entrevistado para minha tese de doutorado, que tinha a necessidade de, anualmente, ir a Buenos Aires recobrar as energias perdidas e religar-se consigo mesmo. Comigo se passa mais ou menos a mesma coisa. Desde aquele mês de outubro de 2011, descobri como a capital portenha é importante para mim, a ponto de considera-la como um dos meus lugares no mundo, uma de minhas “casas”, onde me sinto bem e acolhido, por onde caminho e caminho horas a fio e deleito-me com a paisagem, a arquitetura, as praças e os parques, a língua falada, os rostos e sua altivez, as livrarias, as pizzarias, os bodegones, o dulce de leche, as “medialunas de grasa”, os estádios de futebol, o metrô centenário e os ônibus multicoloridos. Simplesmente andar e tentar perder-se de si mesmo (talvez eu, diferente do psicanalista, não queira encontrar-me), como um flaneur.

 

Desta última vez, resolvi escrever um diário para deixar registrado os momentos vividos e sentidos com a paixão de sempre. Peço licença para compartilhá-lo com vocês.

 

 Quarta-feira, 05 de junho de 2024

 

O oficial da imigração me pergunta o motivo da viagem e onde vou ficar hospedado. Processo rápido e indolor. Pego um “remis” – um táxi – e Emiliano me conduz até o apartamento. O mesmo trajeto de sempre. Aos poucos, a memória vai se reativando, recriando uma certa continuidade entre agosto de 2022 e junho de 2024. Passamos pelo Planetário, pela Avenida Libertador e alcançamos a Avenida Santa Fé, tomando a esquerda. Na Avenida Scalabrini Ortiz dobramos à direita e seguimos em frente, passando pelo “Varela Varelita”, meu Café predileto, até a Calle Guatemala, meu destino. Guatemala 4587 Piso 6B. Agradeço a Emiliano, que vai me levar de volta ao Aeroparque daqui a uma semana. Prefiro não pensar nesse momento, por enquanto. 

 

Carlos já me esperava. Desce para me receber e, mesmo sem querer ou saber, realiza um sonho ingênuo ou até pueril: cumprimenta-me “à moda portenha”, quer dizer, com um beijo no rosto. Esse gesto é carregado de simbolismo porque, mesmo só me tendo visto, até então, uma vez na vida, há dois anos, e embora tenhamos mantido contato através do WhatsApp – ou, talvez, por isso mesmo – o beijo, mais do que cumprimento, significou carinho, afeto, reconhecimento de que sou um “igual”. É assim que interpreto e é assim que me faz feliz. 

 

Ficamos uma boa meia hora conversando sobre a realidade atual argentina, a guinada à extrema-direita. Sua visão de mundo, um “peroncho” (forma carinhosa de referência aos peronistas) histórico, é semelhante à minha, e isso me conforta, a despeito da relação “comercial” impessoal que é o aluguel do apartamento. Despedimo-nos, com a promessa (dele) de comermos uma pizza. Desço e vou ser mais um na multidão e no caos organizado que é Buenos Aires. Troquei dinheiro, carreguei o cartão “Sube”, usado nos transportes públicos, que trouxe da viagem anterior. Também comprei ingresso para o show de jazz na quinta-feira, em homenagem ao Tom Jobim.

 

Cumpridas as tarefas burocráticas, sigo até a Avenida Juan B. Justo e, à esquerda sigo até a Avenida Niceto Vega, à direita. Uma boa caminhada – inclusive, muda-se o nome da avenida, para Álvarez Thomas – me faz reencontrar o “La Mezzetta”, a melhor “fugazzeta” (pizza de queijo abundante e cebolas) daqui. Peço uma “porción” (pedaço) dela e uma “napolitana con morrones” (rodelas de tomate e pimentão vermelho). Percebi que sorria depois de engolir o primeiro pedaço. Memória conduzida pela comida. No retorno, parei no “Mercado das Pulgas”. Nada de extraordinário, mas comprei uma dessas placas de parede com dizeres curiosos. Mantendo a tradição inventada há vários anos, se não me engano por volta de 2014, um casal me parou pedindo ajuda para encontrar uma rua, na realidade, a Avenida Córdoba. Camaleão ou Zelig? Qual é a cara do portenho? Na Calle Serrano, conheço o mural dos “gatos comunistas”: pinturas de vários gatos encimados pela imagem de Karl Marx. Insólito e gozador.

 

Já era final da tarde quando paro no “La Genovesa – fábrica de pastas artesanales”, que conheci em 2022 e digo, com paz no coração, que é uma das melhores massas que comi em toda a minha vida. Fica na Calle Thames, a três quadras de casa. Peço raviólis de abóbora com azeite, molho “filetto” e queijo parmesão. Fervo a água e tomo cuidado para não os desmanchar, tão delicados são. O molho, levemente adocicado, e o parmesão “raiz” completam o pódio de primeiros lugares.

 

Nota: a economia argentina passa por recessão severa. Na cotação do dia, um dólar vale 1128,00 pesos. Recebi cerca de cem bilhetes (traduzi, inadvertidamente, “billetes” por “bilhetes”, mas, leia-se “notas”), de mil e dois mil pesos (o maior valor existente hoje), equivalente a cem dólares. Para termos uma ideia, se a troca fosse para real, em notas de dez – ou seja, valor baixo – receberia, ainda assim, cerca de cinquenta bilhetes, metade dos de pesos.

 

Nota 2: entrei no mercado e tomei um susto com o preço do iogurte, cerca de nove reais! Num país que tem na agropecuária um dos esteios econômicos, é espantoso.

 

Vou dormir por volta das onze da noite, exausto, mas contente.

 

Errata: fui ao mercado comprar iogurte e vi que uma senhora pagava suas compras com uma nota de dez mil pesos. Imagino que sejam raras de se encontrar. Pelo câmbio de hoje, vale cerca de sessenta reais.

 

Como se fuma em Buenos Aires!

 

Quinta-feira, 06 de junho de 2024

 

Amanhece tarde nesta época do ano em Buenos Aires. Saí para tomar café às sete horas e a luz do dia ainda estava longe de dar as caras.

 

Estava ansioso por voltar ao “Varela Varelita”, meu Café de estimação. Sentei numa mesinha de canto e o garçom, simpático, me oferece café com leite. Peço “medialunas de grasa” - fininhas, feitas com gordura, salgadas, ao contrário das “de manteca”, mais cheinhas e adocicadas -  e ele me traz três, com o café com leite e um copo de água com gás, tradição nos “desayunos” portenhos.  Custa quatro mil pesos, cerca de vinte e três reais. A experiência, no entanto, é impagável. Olho em volta e, na mesa ao lado do balcão, colada num dos janelões que dá para a Calle Paraguay, surpreendo-me com a mesma figura da última vez, há dois anos, um rapaz talvez da minha idade ou por aí, com a indefectível boina. A tradição em estado puro.

 

Volto ao apartamento, o dia já amanheceu e, no caminho, vejo pais e mães levando suas crias à escola devidamente agasalhadas porque, ainda que não esteja frio, o clima pede um abrigo. Por volta de oito horas, subo a Calle Guatemala até a Avenida Scalabrini Ortiz em direção à Avenida Santa Fé. Ali, desço as escadas do metrô (linha D) em direção à estação “Congreso de Tucumán”, final de linha. Na Avenida Cabildo, extensíssima como todas as avenidas portenhas, sigo rumo ao Parque Saavedra, no bairro de mesmo nome (a estação de metrô fica no bairro de Belgrano), a cerca de dois quilômetros.

 

À medida que me aproximo do parque, as ruas vão se tornando mais e mais tranquilas e arborizadas. Há um clima de cidade do interior, com ruas de paralelepípedos e árvores frondosas pendendo dos dois lados da calçada, formando um túnel vegetal belíssimo. Uma pista de corrida/caminhada margeia o parque e, num dos lados, moradores locais fazem compras na feira de orgânicos. Há gente se exercitando e passeando com cachorros. Sento um pouco e começo a leitura do livro do Rodolfo Walsh, que peguei na Biblioteca Pública de Curitiba. “Em Roma, como os romanos”, dizem.

 

Tomo o caminho de volta ao metrô. Desta vez, vou até o final da linha no sentido contrário, estação “Catedral”. O percurso dura cerca de vinte minutos. A estação final fica no chamado “microcentro”, digamos, o coração do centro da cidade. Entre as catorze estações, um senhor toca tangos dos anos trinta com linda voz e uma dupla de “rappers” amadores improvisa uma canção com palavras aleatórias sugeridas por passageiros. No final de cada apresentação, muitos aplausos e alguns pesos no bolso. 

 

Da Avenida Rodriguez Peña, viro à direita na Calle Maipu até a Avenida Corrientes à procura de mais uma pizzaria portenha, a “El Palacio de la Pizza”. Peço dois pedaços, uma de “espinaca com salsa blanca” (espinafre com molho branco, um clássico) e outra de “muzzarela y morrones”, ambas deliciosas e, a julgar pelo ambiente e atendentes, estão carregadas de muito história. Desço a Corrientes em direção ao Obelisco. Cruzo a Avenida Nova de Julho até a próxima pizzaria, a tradicionalíssima “Los Inmortales”. Diferentemente de outras clássicas pizzarias portenhas, esta não tem a “barra”, quer dizer, o balcão para quem quer ou precisa comer em pé ou, como dizem os locais, “al paso”, ao passar entre um compromisso e outro. Comer na “barra” é uma das profundas tradições portenhas. Comi uma “individual” de “muzzarela, jamón, morrones y aceitunas” (presunto, pimentão vermelho e azeitonas) que – embora não haja pizza ruim em Buenos Aires – deixou um gosto de decepção, não pelo sabor, nas pelo grossor (ou falta de) da massa.

 

Na Corrientes, tomo a esquerda até a Calle Talcahuano para tomar o “subte” (como é chamado o metrô, abreviação de “subterrâneo”) de volta a Palermo. Passo em frente a um edifício do Poder Judiciário, com centenas de panfletos espalhados pela calçada, denunciando os baixos salários dos funcionários. A Calle Talcahuano é a “casa” de um patrimônio gastronômico portenho, a pizzaria “El Cuartito”, entre as melhores em que já comi.

 

Deixo a mochila no apartamento e sigo pela Avenida Scalabrini Ortiz em direção à Avenida Córdoba, ao bairro de Villa Crespo. Quem não tem a indicação correta do endereço terá dificuldade de achar o sebo “Aristipo”. Nenhuma informação na fachada, apenas o nome impresso nas duas pequenas portas de madeira e vidro.

 

A poluição sonora e visual desaparecem portas adentro. De fundo, num volume civilizado, escuto Bach. Na bancada do meio, com uma miscelânea de livros sem divisão temática, pende uma camisa da seleção argentina com o número “dez” às costas.

 

Há edições antigas em espanhol de Graciliano Ramos, Gilberto Freyre (“Casa Grande e Senzala”), Jorge Amado (“Dona Flor e Seus Dois Maridos”) e, até, Rubem Fonseca (“A coleira do cão”). Escolhi dois livros do Mario Benedetti, que conheci recentemente e me encantei com sua escrita. Mas também poderia ter selecionado um Vargas Llosa, um Kafka ou um Philip Roth.

 

Ao pagar, comento com o dono, um jovem rapaz, que, se pudesse, levaria muitos outros. No entanto, não tenho muito espaço na mala. Ele sorri e responde que sabe muito bem qual é esta sensação, afinal, já carregou muitas sacolas cheias de livros nos transportes públicos portenhos. 

 

Antes de voltar ao apartamento, sento num bar na zona gastronômica de Palermo, formada por várias quadras de bares e restaurantes em ruas com nomes de países centro-americanos – Guatemala, Nicarágua, El Salvador, Honduras, Costa Rica. Tomo uma “pinta” de cerveja de trigo, chamada “Playa Grande”. Penso em comprar uma lasanha na “Genovesa”, para comer em casa, antes do show de jazz no Bebop Club, às onze da noite, em homenagem ao Tom Jobim.

 

Por volta das sete da noite, Carlos chega ao apartamento para resolver a televisão, que não funciona. Coisas da pós-modernidade: a televisão – que, na verdade, é uma grande tela de computador – deve conectar-se com o celular, o que não estava acontecendo. O problema foi resolvido parcialmente, e eu lhe disse para não se preocupar, que a televisão não era imprescindível, mas percebi a decepção em seu rosto.

 

Logo depois de sua saída, quando já me preparava para o banho e a lasanha – cujo aroma era delicioso – as luzes do apartamento se apagaram. Olhei para fora, a cidade iluminada. Ligo para Carlos, que me instrui em alguns procedimentos na caixa de luz, sem sucesso. Pede-me uns instantes e, pouco depois, informa que o “encarregado” do prédio veria o que aconteceu. Más notícias: algo havia queimado “embaixo”, não no apartamento, e a solução poderia levar um tempo. Carlos me sugere que desça para comer alguma coisa – já eram oito da noite – enquanto consertavam aquilo que tinham que consertar, sem previsão de tempo.

 

Há males que vem para bem. Lembrei-me que, ali perto, havia um restaurante de cozinha típica, o “El Santa Evita”, na Calle Julián Álvarez. Está vazio. O garçom me informa sobre as opções, escolho o “locro”- ensopado de feijões, milho e outros grãos com suculentos pedaços de carne – e uma empanada de humita (milho). O “locro” estava excelente, a empanada estava boa embora prefira a “tucumana”, que comi em outro lugar de comida regional, também em Palermo, chamado “1810 Cocina Regional” (o ano de 1810 é uma referência à independência argentina).

 

Já no apartamento, ainda às escuras, com a lanterna do celular, tomo banho. Apenas havia colocado a calça, batem à porta. O encarregado, junto a Carlos, pede para mexer no quadro de luz e, por sorte – ou competência? – tudo voltou ao normal. Eles se despedem e eu termino de me aprontar para o show. Saio em seguida, a caminho da Calle Uriarte, a dez minutos de casa a pé. Na porta, somente argentinos. E eu. O ambiente é intimista, à meia-luz, uma penumbra. Comparto a mesa com um senhor. À nossa frente, alguém comenta que ouviu Bossa Nova pela primeira vez no rádio, enquanto aprendia a dirigir. A julgar pela aparência, imagino que lá se vão facilmente cinco décadas de amor pela música brasileira.

 

O quinteto, formado exclusivamente por argentinos, é composto de um pianista, um flautista/saxofonista, um vocalista/violonista, uma vocalista/violonista e uma percussionista. O cantor começa assim: “Buenas noches! Vamos a Rio?”. 

 

Ao longo da hora de show, o repertório desfilou clássicos como “Chega de saudade”, “Insensatez”, “Samba de uma nota só”, “Águas de março”, “Samba do avião”, “Pela luz dos olhos teus” e, fechando com chave de ouro, para me arrancar lágrimas, “Garota de Ipanema”. E como cantam bem em português! E como exalavam prazer a cada letra cantada! Na mesa em frente, gente cantarolando junto, a irmandade musical unindo-nos, enfim. A certa altura, antes de contar uma pequena anedota de quando cantou no Rio de Janeiro, em português, o mesmo Tom Jobim, o cantor pergunta se há brasileiros na plateia. Sou o único a levantar a mão.

 

Na saída, passo por ele e a cantora que, entendi, é sua companheira. Olha-me nos olhos e diz: “Obrigado, amigo”. Desconcertado, meio sem saber o que fazer, ponho a mão no seu ombro e respondo “Obrigado, obrigado a você”. Inesquecível. As ruas, geralmente cheias de gente, agora estão desertas. Bares e restaurantes estão começando a baixar as portas. Vou dormir a uma da manhã.

 

Sexta-feira, 07 de junho de 2024

 

Depois do café no lugar de sempre (!), decido ir ao estádio “Arquiteto Ricardo Etcheverri”, casa da equipe do Ferrocarril Oeste, no bairro de Caballito. Atualmente, o “Ferro” disputa a segunda divisão do campeonato argentino, também conhecida como “Primera Nacional”, e que, no domingo, enfrentará o “Club Atlético Talleres”. O “Ferro” é um típico clube de bairro, tão presente na vida dos argentinos e dos portenhos, em particular. Quer dizer, o futebol profissional é apenas uma das atividades, ao lado dos esportes amadores, da sede social e, em alguns casos, de jardins de infância. Os clubes de bairro são, ainda, um veículo de pertencimento ao território, de identidade clubística, de sociabilidade.

 

Sigo pela Calle Malabia. Na altura da Avenida Warnes, ela muda de nome e vira Luís Viale. Assim como as avenidas, muitas ruas de Buenos Aires são absurdamente extensas. É interessante observar como as fronteiras do território vão sendo determinadas simbolicamente através de murais e pinturas nas paredes com imagens referidas ao clube. Sem dúvida, havia chegado em Caballito. O mesmo fenômeno verifiquei no bairro de Villa Crespo, onde fica o “Club Atlético Atlanta”- “adotado” por muitos imigrantes judeus e, ainda, clube de muitos descendentes – e no bairro de Saavedra, casa do “Platense”.

 

Na portaria do clube, soube que os ingressos são vendidos na bilheteria do estádio uma hora antes do início da partida, que começará às quatro da tarde. Desço até a Avenida Rivadavia. Paro no Mercado “El Progreso”, com suas “carnicerías” (açougues) e peixarias. Comi uma empanada de carne picante, que estava muito boa, no estilo tucumano. Na banca de jornal, compro a edição em espanhol do “Le Monde Diplomatique” que tem, na capa, o presidente da república e o título “Milei e a política da crueldade”.

 

Já ao lado do Parque Rivadavia, tão belo, na calçada em frente à Escola Normal, estão gravados nomes de professoras e alunas desaparecidas durante a última ditadura cívico-militar argentina. Por toda a cidade, há referências à “Memória, Verdade e Justiça”, sendo uma das mais emblemáticas o “pañuelo verde” (o lenço) usado pelas Madres de Plaza de Mayo nas vigílias em busca dos filhos e filhas levados pelos milicos. Sento por alguns instantes no parque e rabisco algumas notas do dia anterior.

 

Subo a Avenida Pueyrredón, onde a municipalidade está ampliando o passeio público no canteiro central, que é chamado de “Calle de convivência”. Chego ao “Bodegón El Pasaje”, mais conhecido como “Bodegón de las abuelas”. Suas paredes estão coalhadas de flâmulas de times de futebol, argentinos e uruguaios. Há fotografias de Che Guevara, também. Dispenso os pratos dia – embora tenha me chamado a atenção o “arrolado de berenjena con crema de albahaca” (rolinhos de berinjela com creme de manjericão) – e peço a milanesa napolitana com purê de batatas. Enorme e deliciosa. Um típico Bodegón de bairro, atendendo uma clientela, aparentemente, sobretudo local (com a minha exceção, talvez...). Duas senhorinhas entram. Sim, são as “abuelas” que, ainda hoje, põem a mão na massa (ou na milanesa).

 

Tenho um compromisso no ICUF – a Associação Cultural Judaica ligada ao judaísmo progressista de esquerda. A pedido de meu pai, farei uma doação monetária à instituição (serei devidamente ressarcido). Lá, conheço Micaela, a bibliotecária que me recebe simpaticamente. Ela mora num município nos arredores de Buenos Aires, na chamada AMBA – Área Metropolitana de Buenos Aires. Leva cerca de uma hora e meia para ir e outra hora e meia para voltar. O município se chama Lomas de Zamora.

 

Conversamos um pouco sobre a situação política e econômica da Argentina. Sua visão é a de que apenas quando a classe média sentir o peso da recessão, haverá revolta popular. Foi assim em 2001, com o panelaço contra Fernando De La Rua. Compartilho com ela meu encanto com a cidade, onde me sinto tão bem e acolhido. Micaela, então, diz: “Há uma frase muito conhecida aqui que diz que os argentinos nascem onde queiram nascer”. Pronto, sou argentino! (No original, a frase é mais legal: “Los argentinos nacen donde se les canta las pelotas”).

 

Despeço-me de Micaela e as crianças que brincam no pátio interno – ali também funciona a escola judaica, a Scholem Aleichem – e paro na livraria Mandrágora, a poucas quadras dali. Estou atrás de um livro do Eduardo Galeano sobre futebol. O senhor que me atende, solícito, acha o exemplar no depósito. Os livros novos estão estupidamente caros, dou-me de presente, apesar de tudo. Não à toa, e associado à crise econômica, sou o segundo cliente a entrar hoje, e já passam de três da tarde.

 

No final da tarde, desço ao “Café Mulata”, na esquina oposta de casa, para escrever um pouco mais. O clima está surpreendentemente ameno para esta época do ano, nem preciso usar casaco. À noite, janto no apartamento a lasanha que ficou na geladeira por conta do episódio do dia anterior, o apagão. Uma explosão de sabores: ricota, espinafre, molho de tomate na medida certa de acidez e doçura, além da bolonhesa e o parmesão “raiz”.

 

Sábado, 08 de junho de 2024

 

Às sete e vinte da manhã, o rapaz de boina, outro que diria ser um professor ou pesquisador de qualquer coisa (livros em cima da mesa, caderno de anotações, barba por fazer) e uma dupla de amigos mais velhos estão lá. O de boina brada, sarcasticamente, com o diário “Clarín” em mãos, que a inflação na cidade de Buenos Aires baixou. O mesmo de sempre: café com leite e três “medialunas de grasa”. 

 

Caminho em direção ao Parque Centenário, que ainda não conheço. É belíssimo, com árvores imponentes, um lago com cisnes, área para a brincadeira da cachorrada, equipamentos para exercício físico. Num rádio, toca “Lança-Perfume”, da Rita Lee. É tão bacana ver a música ultrapassar as fronteiras invisíveis dos nossos países! A feira de bugigangas, que circunda o parque, não me atraiu como imaginava.

 

Sigo para Villa Crespo, reencontrar o “El Chiri de Villa Kreplach”, um maravilhoso restaurante de comida judaica que conheci em 2022. Adoro o jogo de palavras “Crespo/Kreplach”, em alusão aos bolinhos cozidos recheados de batata e carne típicos da culinária judaica ashquenazi (judeus da Europa Ocidental). Sento na mesa da última vez. Tomo o borscht – a sopa de beterraba – e continuo com varenikes generosamente acompanhados de cebolas fritas. Ah, os varenikes também são como pastéis cozidos recheados de batata, a versão judaica do pierogi polonês.

 

É curioso que, quando pequeno e adolescente, não gostava de borscht, passei a gostar recentemente, sem explicação aparente e, sempre que a tomo, algo dentro de mim aflora e me emociona. Como se eu o estivesse tomando preparado pela minha bisavó paterna, como se eu herdasse, através da sopa, a memória e a história da família e, de forma mais abrangente, dos judeus que emigraram ou fugiram da Polônia.

 

Duas senhoras sentam-se na mesa de trás. Conversam com tanto ímpeto que parecem discutir. Apenas impressão, e é pelo que dizem que posso comprovar que não estão se “puteando”. Pesquei duas frases, que seguem:


“Ella cambia de zapatilla como cambia de calconzillo”, ou seja, “ela troca de sapato como troca de calcinha”, possivelmente uma crítica ä neta, nora, cunhada...


“Me duele el estómago, comí um alfajor que me cayó como uma bomba”, acho que dispensa tradução.

 

Pego o metrô na estação “Malabia - O. Pugliese”, em direção ao “Congreso de Tucumán”, para conhecer a “Casa Ana Frank” (é comum os argentinos espanholizarem palavras e nomes estrangeiros). Para chegar lá, vou até a estação “Carlos Pellegrini” e, de lá, baldeação para a linha D. O metrô de Buenos Aires tem boa capilaridade e, se não me engano, é o mais antigo da América Latina. O bilhete custa 650 pesos, em torno de quatro reais.

 

No museu, um jovem nos conta um pouco do contexto histórico alemão pré-guerra e a ascensão de Hitler ao poder como chanceler. Há painéis com fotografias e imagens da época, trechos do diário de Anne Frank e uma edição original em alemão, publicada há tempos. O guia, então, arrasta um armário encostado na parede e, surpresa, entramos nos dois cômodos que serviram de esconderijo da família, até agosto de 1944. Finalmente, entramos numa outra sala com imagens e informações comparativas entre os métodos utilizados pelos nazistas e aqueles utilizados pelos repressores durante a última ditadura cívico-militar na Argentina, a partir de 1976.

 

Comentei, então, que os métodos de tortura dos repressores argentinos eram ainda mais cruéis (como se isso fosse possível) quando os algozes sabiam que os “subversivos” eram judeus. O guia disse não saber desse detalhe. Nos fundos do museu, há uma castanheira cujas sementes vieram da Holanda, da castanheira que ficava na parte de trás da fábrica que serviu de esconderijo aos Frank e que servia também de fuga visual para Anne e sua irmã, Margot.

 

Volto a Palermo. Na Avenida Scalabrini Ortiz, depois do Parque Las Heras, está a Confeitaria Santa Paula, onde compro sanduíches de miga para o lanche, acompanhados de uma “picada” (tira-gostos, aperitivos) de queijos, frios, favas em conserva e azeitonas pretas daquelas rechonchudas. No caminho para casa, escuto no Spotify “En la ciudad de la fúria”, do Soda Stereo, que é uma espécie de hino informal e uma homenagem à cidade, o céu e o inferno.

 

No rádio, a emissora 750AM transmite o jogo entre Grêmio e Estudiantes de La Plata, pela Copa Libertadores. O jogo é realizado em Curitiba, por conta da tragédia climática que se abateu sobre o Rio Grande do Sul. O locutor se refere a Curitiba como “a cidade verde” e “uma das cidades mais bonitas do Brasil”. A comentarista lembra que Renato Gaúcho, técnico do Grêmio, foi campeão com o mesmo Grêmio, como jogador, em 1983 contra o time uruguaio do Peñarol. Ambos, locutor e comentarista, recitam os nomes dos jogadores gremistas daquela final. O respeito pelo futebol brasileiro é explícito.

 

Domingo, 09 de junho de 2024 

 

Calor imprevisto para a época do ano. Dia ideal para retornar ao parque “Carlos Mugica”, em Villa Urquiza. Depois de saltar na estação final da linha B – “Juan Manuel de Rosas -, caminho pelas ruas desertas do bairro - embora seja domingo, já são quase dez da manhã – até o parque. Para alcança-lo, passo por um conjunto de pequenas ruas estritamente residenciais, constituídas exclusivamente por casas. Todas as ruas são arborizadas. Chama a atenção que, apesar do calor, é raro ver janela aberta. O silêncio é ensurdecedor. O parque é de uma beleza ímpar, escandalosa, transmite uma sensação de paz e tranquilidade, apesar de, numa de suas margens, passar a Avenida General Paz – espécie de Avenida Brasil carioca – que estabelece a fronteira física entre a cidade de Buenos Aires e a província de Buenos Aires (a “província” equivale aos “estados” brasileiros). Quem sabe as árvores filtram a poluição sonora? Leio um pouco do livro do Rodolfo Walsh, com o sol às costas.

 

Um breve parêntese. Amanhece por volta de oito da manhã. Hoje, pela primeira vez, decidi correr, como faço diariamente em Curitiba. Ainda escuro, às seis horas, saí pelas ruas de Palermo sem saber muito bem qual direção tomar. Corria a esmo. Ao longo do percurso, passei por algumas casas noturnas ainda abertas, ou quase fechando, e seus frequentadores, a juventude dourada palermitana, ainda nas ruas batendo papo e bebendo sabe-se lá o quê. Correr pelas ruas ainda desertas de Palermo foi uma experiência prazerosa, as quadras só minhas. Fecha parêntese. 

 

Tomo o metrô na mesma estação até “Federico Lacroze”, no início da Avenida Corrientes. Há fila no “Albamonte”, Bodegón tradicional, onde pretendia almoçar. Os nativos já sabem que, nos finais de semana, é necessário reservar mesa. Por sorte, a duas quadras está a “El Império de la Pizza”, primeira pizzaria portenha a ganhar o título de “sítio de interés cultural” de Buenos Aires. Já o conhecia, e tinha boas recordações, que foram confirmadas dessa vez. Meia napolitana, meia morrones e cerveja trincando.

 

Deixo a mochila em casa. Tomo o metrô na Scalabrini Ortiz em direção ao final da linha, “Catedral”. Dali, faço baldeação para a linha “A”, sentido “San Pedrito”, e salto na estação “Puan”. Ando algumas quadras, atravesso a ponte sobre a linha férrea e chego ao estádio do Ferrocarril Oeste, em Caballito, faltando uma hora para o jogo. O clima é amigável. Entre “platea” (cadeiras) e “general” (arquibancadas), escolho a primeira. Para não-sócios, custa vinte mil pesos, cerca de cento e vinte reais. Salgado. 

 

Há duas revistas policiais. Na primeira, sou apalpado; na segunda, pedem o número da carteira de identidade, digitado num celular, para se certificarem de que não sou alguém banido das arquibancadas, como passa com muitos torcedores dos chamados grandes clubes argentinos, sobretudo aqueles torcedores membros das “barras”, as torcidas organizadas daqui. Apresento a cópia do meu passaporte, e passo.

 

Aos poucos, o estádio se enche de torcedores, muitas famílias, sócios do clube (o estádio faz parte do complexo clubístico), aparentemente muitos já estavam na sede e, na hora da partida, resolveram subir as arquibancadas e cadeiras. O ingresso para sócio, na “platea”, custa oito mil pesos. Ao meu lado, senta-se um pai com neném de colo que, por ser hora do lanche, devora o leite da mamadeira. Nos edifícios do entorno, gente nas varandas, espectadores privilegiados que “pularam a catraca”. Os cantos e os gestos que os acompanham me encantam.

 

O “Ferro”, como é popularmente conhecido, perdeu por um a zero, e seu goleiro ainda defendeu um pênalti no final da partida. Foi injusto e não refletiu o que se viu em campo, sendo lógico (que não existe no futebol) o empate sem gols. Não havia muita técnica em ambas as equipes, mas, ganha quem põe a pelota para dentro, e foi o que o “Talleres”, do município de Remédios de Escalada, na Grande Buenos Aires, a cerca de meia hora da cidade autônoma.

 

Algumas expressões colhidas ao longo da partida, e que tornaram a experiência deliciosa (infelizmente, a memória me trai, esqueci várias):

“Sos um burro”

“Juego horroroso”

“Está prohibido patear al arco?”

“Sos um muerto”

“Hijo de puta”

“La concha de tu madre”

“La concha de la lora”

“Ferro desde la cuna hasta la eternidade”

“Hacé um cambio!”

 

O “Varela Varelita” está lotado, hoje tem jogo da Argentina, amistoso preparatório à Copa América, contra o Equador. Assim, sigo à Pizzaria Angelín, na Avenida Córdoba, e compro umas “porciones” para levar. Próximo de casa, paro num “kiosco” e apanho duas “Quilmes”. Na televisão, o jogo. Pergunto se já começou, e o rapaz responde “sí, ya empezó”.

 

Pretendia ler mais um pouco do Walsh, mas o cansaço me venceu. Como a Argentina, que derrotou o Equador por um a zero, gol de Di Maria.

 

Dia inesquecível. Como gosto dessa cidade!

 

Segunda, dia 10 de junho de 2024


Hoje resolvi conhecer uma praça nova (ou seria parque?), chamada “Plaza del Ángel Gris” (Praça do Anjo Cinza). Fica no bairro de Caballito, muito próxima do estádio do “Ferro”, onde estive no dia anterior. No centro dela, um mastro com a bandeira argentina e uma placa em homenagem aos soldados mortos no afundamento do navio “Belgrano”, pelos ingleses, durante a Guerra das Malvinas. Funcionários do que seria o nosso “Parques e Jardins” limpam os caminhos das centenas de folhas acumuladas no chão. O que me parecem maritacas executam uma sinfonia interminável, escondidas entre os galhos das árvores ainda não totalmente depenadas pelo outono. Apesar da Avenida Avellaneda passar por trás, reina a tranquilidade.

 

Rumo à Avenida Rivadavia, na hora do almoço, algazarra da criançada saindo do colégio, imponente, público. Passo reto, sem me dar conta que já havia chegado ao “Los Orientales”, Bodegón clássico no bairro de Almagro. A placa é discreta, nada chamativa, convite apenas aos nativos e curiosos por indicação, como eu. Além do cardápio, vários papéis afixados nos vidros das janelas e no balcão interno indicam as sugestões do dia. A lista de milanesas é enorme, e todas fazem referência ao Uruguai, ou melhor, a República Oriental do Uruguai. Foi aí que entendi o nome do Bodegón, imagino que seus fundadores – ou seus descendentes – sejam oriundos do outro lado do Rio La Plata. Peço a “Godín” (jogador de futebol da Celeste Olímpica), que vem com muzzarela, cebola e pimentões vermelhos. Um espanto de saborosa. Dava para duas pessoas. Levo metade. O garçom, ao receber o dinheiro, me saúda com o punho cerrado. Pergunto se há banheiro, “sí, maestro, bien al fondo, a la izquierda”. Ah, a milanesa veio com purê de batatas, delicioso.

 

Vende-se, ao turista, uma estética mais “palatável” ao que seria o gosto dos que visitam a cidade, uma estética homogeneizadora e empobrecedora, encontrada em várias cidades turísticas ou “turistáveis”. O exemplo em Buenos Aires é o bairro de Palermo e a região de Puerto Madero. O turista que só vai a Palermo comer nos restaurantes “da moda” se sentirá “em casa” no Soho nova-iorquino ou no Leblon. Não há identidade, é tudo pasteurizado, não há memória nem história. O não-chamariz da placa do Bodegón representa esta particularidade, sem neon, sem luzes pisca-pisca, “sujo”, com as marcas do tempo.

 

Depois de comprar o doce de leite preferido – Chimbote, é claro – paro numa loja que vende tudo quanto é velharia. Na calçada, estão expostas placas que, segundo o dono, médico sanitarista e antropólogo curioso (seu interesse começou após a leitura de Pierre Clastres), tem, algumas delas, cem anos. Interesso-me por uma: “Prohibido tomar alcohol durante el trabajo”. Pergunta-me se sou brasileiro. Digo que sim, mas prefiro falar em espanhol. Ele retruca, dizendo que é argentino, mas prefere falar em português. Rimos os dois. Aprendeu português há quarenta anos, escutando música brasileira na rádio. “Bossa nova?”, “também”.  

 

Quer saber de que parte do Brasil sou, respondo que “carioca morando em Curitiba”. Coincidência. Esteve, em maio passado, no campus de Matinhos (litoral paranaense) da Universidade Federal do Paraná, conversando com alunos do curso de Agroecologia. Faz documentários com índios Guarani, tenta me mostrar no celular um desses vídeos feitos em viagem ao Paraguai. Digo-lhe que tenho trabalho também com os índios Guarani do litoral do Paraná, ele sorri. Mostra-me fotografia de sua viagem a Matinhos, quer saber quando volto ao Brasil, “el miércoles”, respondo. Conto-lhe sobre minha formação acadêmica, mostra-se surpreso. Convida-me para um “mate” amanhã, ali mesmo, na loja. “Hasta mañana, entonces”, respondo.

 

Terça-feira, dia 11 de junho de 2024

 

Hoje acordei com tempo mais fresco. Depois do café, fui à Avenida Santa Fé em busca do alfajor preferido da Renata, banhado com chocolate negro e polvilhado com açúcar de confeiteiro. Depois, segui até a Confeitaria “Progreso”, na esquina da Calle Laprida, que conhecemos em 2011, na única vez em que viemos os três juntos a Buenos Aires. Comprei um coração de chocolate, afinal, amanhã é dia dos namorados...

 

Retorno pela Calle Charcas. Passo pela Calle Guise, que lhe é transversal, onde, também em 2011, alugamos um pequeno apartamento. Adiante, na Plaza Güemes, onde fica a imponente Igreja Nossa Senhora de Guadalupe, sento para escrever sobre o dia de ontem. As nuvens se vão, o céu azul outonal combina com a temperatura, em torno de catorze graus.

 

Decido cozinhar. No açougue da esquina, compro um “bife ancho” e, no mercado, cebola, batatas, tomate, palmito e azeite. A carne estava bem macia e saborosa, e o purê de batatas “lisinho”, como deve ser. Não economizei na manteiga, ainda agreguei um resto de parmesão do “La Genovesa”, que o deixaram ainda melhor.

 

Vou ao Club Atlanta, atrás de uma camiseta. Ele fica na Calle Humboldt, depois da Avenida Corrientes, a cerca de dois quilômetros e meio de casa, um pulo, considerando as longas caminhadas desta última semana.

 

Em casa, ponho o lixo no corredor. Começo a arrumar a pequena mala de mão e guardar as poucas compras. Sinto-me um pouco cansado hoje, consequência dos dias intensos vividos nesta estadia em terras portenhas. Esta era a proposta: ficar na rua o mais possível, tanto assim que apenas agora percebi que podia relaxar na pequena varanda do apartamento, a despeito da temperatura mais amena do que o ideal. Mas valeu a pena abrir uma cerveja e ficar observando a cidade do sexto andar, os sons e as luzes de Buenos Aires e, lá longe, o pisca-pisca dos aviões que decolam de Ezeiza.

 

São cinco e meia da tarde e a sensação é de domingo à noite.

 

Até breve! 

 


 


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